domingo, 29 de janeiro de 2006

Subsolo social

"Não sou pessimista. O mundo é que é péssimo!". Frase de José Saramago, Revista Época (comprei a contra gosto esse panfleto conservador), última semana de outubro de 2005. Preciso do apoio de Saramago, pois meu blog começa a parecer o espaço de um pessimista, quando não sou. Na verdade, faço força para não ser, mas, quase cotidianamente, meu otimismo sofre alguma contusão em treino. Como hoje, por exemplo, quando acordei para com a seguinte manchete sobre a cidade em que vivo: "Pobreza cresce em São Paulo e cai no Brasil" (Folha de São Paulo, 29/01/06).

Tudo bem que estamos na cidade dos superlativos, mas os números me assustaram e transformaram meu café num momento indigesto. Diz a matéria: "Na capital paulista, 214 mil pessoas ultrapassaram a linha que as separava da pobreza. Na Grande São Paulo, o contingente de pobreza subiu, em apenas um ano, de 7,292 milhões para 7,506 milhões de pessoas, ou 41,6% da população, de um total de 18,2 milhões de habitantes". Dados do IETS (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE. Para a coordenadora do estudo, pobreza, em São Paulo, corresponde a um rendimento familiar per capita de R$ 250,79. Dados que levaram mais de 200 mil pessoas para o subsolo social paulistano. E isso apenas nos últimos doze meses.

Em minha postagem anterior, já me dizia angustiado com os efeitos da desigualdade, cujas vítimas batem, literalmente, à nossa porta. Cidadãos sem cidadania, sem acesso a nada, somente ao descaso da sociedade. Pedia, em meu texto anterior, um descanso, um pequeno intervalo da miséria sem fim que encontro, seja indo ao trabalho, às compras, ao cinema, a qualquer lugar. Não há como não carregar o sentimento de culpa a todo instante, já que quase metade da cidade onde moro não vive com a dignidade necessária.

Faz tempo que atuo como em trabalhos voluntários, tenho muitos amigos que também estão nessa. Mas, cada notícia como a de hoje me traz a certeza de que não fazemos e talvez não cheguemos a fazer o suficiente para mudar essa situação.

A mudança não depende de voluntariado, o problema é crônico, globalizado, demasiado desproporcional frente a uma intervenção homeopática como essa. Depende de estratégias de guerra, como diz um amigo meu, todo dia batalhões na rua para lutar contra a fome, exércitos para revitalizar a educação, comandos estratégicos para mudar as diretrizes da economia global excludente. Guerra que nunca houve, talvez nunca haja.

Como disse, meu otimismo está na enfermaria. Após seu retorno, vou treiná-lo como se treina um atleta. Somente assim é possível ter forças suficientes para permanecer na batalha.

6 comentários:

  1. Espero que, mesmo com o otimismo em baixa, você não desista. Um dia alguém me disse que para mudar as coisas era preciso "calma no agir e persistência no ideal". Espero sinceramente que você persista e insista. Me entristece profundamente esse niilismo que anda pairando sobre nós. Seu post me lembrou muito o "Cronicamente Inviável". Você já viu? Se não viu ainda, por favor, não veja! :D

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  2. Caramba! Você escreve de um jeito muito gostoso de ler, até mesmo quando é sobre coisa triste...
    Sua escola ambulante é "lumiada" neste blog ;-)

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