sábado, 11 de julho de 2009

20 Ave-Marias e 10 Pai-Nossos


Tinha nove anos quando me confessei pela primeira (e única) vez, experiência que ainda trago em minha memória. Era 1979 e a confissão foi o resultado das aulas de catecismo que fui levado a frequentar. Aquele precoce curso de teologia foi concluído ao final daquele ano, após um exame final que incluía uma confissão obrigatória para a absolvição de meus pecados. Pecados de uma criança de 9 anos...

Minha experiência no catecismo é um exemplo de aprendizado sem sentido para uma criança. Atualmente, vejo que aquele foi o momento errado para aprender um conteúdo que exige o mínimo de reflexão e senso crítico. Do ponto de vista social, foi o momento certo para iniciar um processo de alienação que leva o ser humano a incorporar crenças espirituais como verdades absolutas. É o momento em que os adultos nos alertam: aceite tudo o que lhe dissermos e não questione nada, pois será assim sua vida toda.

É difícil listar o que considero mais equivocado no processo de conversão do ser humano a uma religião, seja ela qual for. No meu entender, a oposição a qualquer questionamento é o ponto mais negativo desse processo. Desde a infância, somos levados a aceitar doutrinas dogmáticas como reais e imutáveis. Para as religiões em geral, questionar quaisquer de seus princípios é um ato que merece ser punido, seja com o peso da culpa, seja visitando o inferno após a morte. Pensar é heresia. 

É fácil convencer uma criança a crer em qualquer coisa, basta contar-lhe uma estória bem legal. E eu achei massa a estória do cristianismo, até porque soava como as fábulas que gostava de ler e ouvir: havia um mocinho com poderes, cercado por 12 super amigos, lutando contra um vilão traidor e um rei malvado. Apresentaram-me os personagens, mas omitiram questões importantes. 

Não me disseram, por exemplo, que o vilão histórico do Cristianismo foi a própria Igreja Católica, que perseguiu, torturou e matou milhares de pessoas que discordaram de suas verdades durante séculos. Não me contaram que o "Não matarás" foi transgredido por poderosos que se diziam representantes de Deus. Também não me contaram sobre as riquezas exorbitantes do Vaticano e sobre seus Papas autoritários. Ok... jamais contariam isso à uma criança, não contam nem aos adultos.

A etapa final do catecismo previa uma absurda confissão de pecados por parte de todas aquelas crianças. Ainda me lembro da fila infantil aguardando a chamada ao confessionário da catedral. Momento de puro temor, pois não sabia bem o que era pecado, é difícil saber até hoje. Tinha apenas consciência de que eram coisas consideradas erradas sob a ótica adulta. Com isso em mente, listei transgressões como "eu brigo com meu irmão", "corro demais na escola" e "levo bronca todo dia". Chegada minha vez, dirigi-me ao confessionário carregando o peso do mundo em meus ombros. Ajoelhei-me e pronunciei os pecados que havia decorado minutos antes. A penitência foi dada sem vacilo: 

- Vinte Ave Marias e dez Pai Nossos.

Se aquele padre tivesse qualquer bom senso, certamente diria: "É tudo brincadeira, meu jovem... você não é um pecador, que bobagem isso tudo!". Mas não... a noção de pecado deve ser construída desde cedo, como forma de controle de sociedades que já vivem controladas. Esse controle moral vale para crianças, adultos e idosos. Vale na hora de transformar o sexo em tabu, a masturbação em algo proibido, o casamento em uma prisão. Bobagem sem fim, dominação sem fim, hipocrisia sem fim.

Voltei ao meu lugar após ouvir a sentença, ajoelhei diante dessa tal cruz e comecei a cumprir minha pena espiritual. Mas imaginar que rezas curam comportamentos é subestimar todo o avanço científico da humanidade. A psicologia, a psiquiatria e a neurologia fazem infinitamente melhor... e sem te encher o saco com dogmas. 

Na pressa, perdi a conta das orações, mas não me importei muito, apenas continuei balbuciando rezas para fazer o tempo passar. Quando achei que estava bom, levantei-me e fui embora a passos rápidos, ansioso por encontrar a próxima brincadeira pela frente. Saí dali para nunca mais retornar a um confessionário.

Minha vida religiosa começou dogmática assim. Felizmente, consegui me livrar daquele falso moralismo que tentaram me incutir. Mas essa carta de alforria não veio de graça, foi fruto de muita leitura, muito questionamento e muitos debates com amigos. 

Como resultado da liberdade, busquei outras religiões e filosofias na vida adulta. Frequentei o Budismo, o Espiritismo, fui a centros de Umbanda, conheci médiuns, fui atrás de curandeiros, fiz até curso de projeção astral, mas sem jamais aceitar dogmas de forma pronta. Passei a ser uma pessoa sem religião, vivendo naquela região entre o ateu e o agnóstico. Vou prosseguir assim, pois já paguei todos os meus pecados com as 20 Ave Marias e os 10 Pai Nossos de minha impecável infância.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Desliguem o aquecedor

Eu sempre gostei muito de frio, sou uma dessas pessoas que se estimula com a chegada do inverno, um maníaco que trabalha e pensa melhor com temperaturas abaixo de 20ºC. Gosto do calor também, mas somente para passar alguns dias descontraídos de férias, pegar uma praia e pronto. Já tive a oportunidade de comparar as situações, pois morei e trabalhei no litoral, no interior, em algumas capitais e também no exterior. Se pudesse optar pela catástrofe do aquecimento ou do resfriamento global, certamente ficaria com a segunda opção. O pior é que, cada vez mais, as estatísticas e dados científicos indicam que vou passar calor... e não será pouco.


Essa foto foi divulgada pela imprensa mundial nos últimos dias e mostra o Pólo Ártico em dois momentos muito próximos. O lado esquerdo da imagem representa a região no ano de 2005; o lado direito, a mesmíssima região em 2008. A coloração branca das fotos refere-se às camadas de gelo de maior espessura (4 metros ou mais). As regiões em azul escuro referem-se à camadas de gelo mais finas (até 1 metro de espessura). Não é preciso ser especialista para analisar o tamanho do estrago em apenas três minguados anos. É como se olhássemos para alguma região da Amazônia e visualizássemos floresta de um lado, desmatamento de outro. No caso do Ártico, a branca e espessa camada de gelo está, literalmente, indo por água abaixo em virtude do aquecimento global.

Cheguei, recentemente, de uma cidade localizada no litoral do Paraná. Fui a trabalho, mas consegui caminhar pela praia durante um dia de folga. Melhor dizendo... caminhei pelo que restava de praia... e garanto que não era muito. Sei que não é possível estabelecer uma relação direta entre a cidade em que estava, o fenômeno do aquecimento global e a elevação do nível dos mares. Porém, não vejo explicação mais plausível para a cena que presenciei: poucos metros de areia para caminhar, ondas quase atingindo o calçadão e um desgaste da orla que não parece natural e nem possível recuperar em curto prazo de tempo. Logicamente, há praias na cidade onde tudo parece normal, mas isso começa a se configurar como miragem no deserto: a praia está ali, mas pode não estar se a degradação mundial continuar em ritmo acelerado.

Não sou do time dos pessimistas, pelo contrário, sou daqueles que acreditam nas estratégias de mudança que vêm tomando forma desde fins do século XX. Como já mencionei em outros textos deste blog, atuo em ONGs e conheço muita gente que está na batalha em prol do meio ambiente e de causas sociais de todos os tipos. São pessoas incansáveis, que atuam tanto em empresas quanto em governos ou no terceiro setor. É um exército e tanto, espalhado por dezenas e dezenas de países, mas ainda pouco frente à dimensão do desgaste social e ambiental que ocorre em nosso mundo.

Por enquanto, aqueles que tentam consertar o estrago nadam contra a corrente, mas vários efeitos positivos já são sentidos, como pode ser visto nos sites que deixo relacionados ao final desse post. Se lhe sobrar um tempo, caro leitor ou leitora, dê uma olhada em alguns deles e procure contribuir da forma como puder, seja com doações, trabalho voluntário ou divulgando informação entre amigos, família, associações ou qualquer movimento do qual participe. Vamos lá, ajude a desligar o aquecedor global... está ficando quente por aqui...

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Conservação Internacional - Brasil: http://www.conservation.org.br/Greenpeace Brasil: http://www.greenpeace.org/brasil/WWF Brasil: http://www.wwf.org.br/Instituto Sócioambiental: http://www.socioambiental.org/Fundação SOS Mata Atlântica: http://www.sosmatatlantica.org.br/Fundação Gaia: http://www.fgaia.org.br/Conselho Nacional de Defesa Ambiental: http://www.cnda.org.br/Fundação O Boticário: http://internet.boticario.com.br/portal/site/fundacao/

Imagem retirada de http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/album/julho09_album.jhtm?abrefoto=4#fotoNav=17

sexta-feira, 19 de junho de 2009

1 bilhão de famintos

O dia 19 de junho acaba de entrar para a história carregando um dado estatístico aterrador: o número de famintos no mundo acaba de ultrapassar a marca de um bilhão de pessoas. A informação está no relatório sobre segurança alimentar recém lançado pela FAO - Setor da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação. Em comparação ao ano de 2008, mais de 100 milhões de pessoas entraram ou entrarão para o grupo de famintos em 2009. Significa que 1/6 da humanidade não terá calorias suficientes para viver um dia sequer com dignidade.

Em algumas postagens deste blog, relatei como percebia e sentia os efeitos da desigualdade social em minha própria vida. Não foram poucas as vezes em que cheguei a me deprimir ao encarar notícias como a de hoje, afinal, os números negativos são sempre grandiosos demais. A sensação de impotência diante de um quadro assim é frequente, mas hoje não escreverei palavras de lamentação, como fiz em textos passados. Hoje vou propor e dar dicas sobre como ingressar na luta para minimizar os efeitos dessa situação.

Primeiro passo: mexa-se! Eu, você e milhares de pessoas temos condições de contribuir com organizações sociais que combatem a fome, a miséria e a desigualdade social. Não é necessário contribuir somente com doações financeiras, apesar da inegável ajuda que isso representa. Também é possível auxiliar com trabalho voluntário, doações de recursos materiais, ou mesmo convocando a família, parentes e amigos para colaborarem nessa batalha. Não importa a via pela qual chegue nossa contribuição, garanto que qualquer ONG, grupo ou movimento social dará as boas vindas à ajuda que viermos a oferecer.

Se você não sabe por onde começar, procure a Secretaria de Assistência Social de seu município, vá à prefeitura, visite igrejas, informe-se sobre movimentos sociais e religiosos que auxiliam pessoas em situação de risco. Procure, também, a Ação da Cidadania de seu município, é provável que você encontre pessoas ligadas a esse movimento, concebido pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Tenho vários amigos que trabalham na Ação da Cidadania em minha cidade e todos são incansáveis batalhadores, sempre dispostos a fazer mais pelo próximo.

Sei que todas essas ações são emergenciais e não solucionam a questão da desigualdade social da forma como gostaríamos. A real luta contra as discrepâncias sociais requer uma mudança estrutural em nossa sociedade, uma mudança que transforme nossos atuais valores, nosso senso de ética, de responsabilidade e de cidadania. Requer, ainda, que pressionemos o poder público, empresas e organizações sociais em direção a um modelo de desenvolvimento socialmente justo. Isso tudo já começou a acontecer, conheço inúmeras pessoas e organizações que lutam por um mundo melhor. Mas, como dizia Betinho, "quem tem fome, tem pressa", e esses não estão dispostos a esperar pela revolução.

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Alguns sites da Ação da Cidadania:
www.acaodacidadania.com.br
www.acaodacidadania.org.br
www.acaodacidadaniasalvador.com.br

Sites recomendados por Norton Tavares, autor de um dos comentários desse post:
www.blogemacao.com
www.youtube.com/acaodacidadania
www.twitter.com/acaodacidadania

Notícia completa no site da FAO:
https://www.fao.org.br/vernoticias.asp?id_noticia=814

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Tocando em Frente

Essa canção já é antiga, mas traduz muito de meu momento de vida atual. A composição é de Almir Sater e Renato Teixeira, dois grandes nomes da música brasileira. O vídeo tem boas imagens, a melodia é belíssima e a letra idem.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Recuar é preciso

É comum ouvirmos que recuar diante de uma situação é sinal de temeridade. Palavras como persistência, coragem e resiliência são sempre evocadas em livros e palestras de auto-ajuda, todas indicando o caminho da perseverança como o mais nobre a ser seguido frente às dificuldades. Não é.

Pode soar estranho, mas o ato de recuar faz todo sentido quando se está consciente da razão do recuo. Nesse caso, recuar é um sinal de preparação, um ato calculado para produzir a energia de um salto ainda maior do que imaginávamos. Recuar significa acreditar no próprio potencial, reconhecendo que alguns passos atrás são fundamentais para transpor qualquer obstáculo sem tocá-lo. Recuar é sinônimo de coragem, não tenho mais qualquer dúvida sobre isso.

De algum tempo para cá, meus textos parecem ter saído de um livro de auto-ajuda. Já escrevi, por exemplo, sobre a importância de celebrarmos cada segundo de vida, algo que passei a fazer mais intensamente nos últimos anos. Também rabisquei algo sobre a tal resiliência, sobre o altruísmo e a determinação. Não são palavras vazias, mas sim reflexões, atitudes e desabafos reais do que vivo, penso e sinto. Só não havia incluído a habilidade do recuo como um valor que se soma a esse rol. Pois agora vejo que é justamente isso que tenho feito nos últimos dois anos. Recuei em virtude da dor física, da dor emocional, do medo, recuei por inúmeros motivos. Mas enquanto recuava, crescia meu desejo de dar um salto gigantesco. Sentia isso intensamente, sentia a vontade e a força para saltar, mas as amarras ao meu redor mostravam que faltava algo. Faltava, justamente, adquirir mais impulso.

Nesse passado recente de minha vida, lutei incontáveis vezes para avançar nas situações que me desafiavam. Porém, não estava clara a necessidade de ganhar distância para ultrapassar ileso a barreira que mirava. Agora faz sentido o que antes via como paradoxal, pois era real a sensação de que me afastava de meus objetivos. Nesse instante, visualizo esse afastamento como uma preparação e sinto meus músculos, meu coração e meu espírito prontos para o salto. Desconheço o momento em que partirei na desafiadora corrida que há tanto aguardo. Mas isso não mais importa, pois meu recuo gerou a distância necessária para os vitais impulsos que darei em minha vida daqui por diante. Que venham os obstáculos!

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Grato ao Wlad pelo papo que me inspirou a escrever esse texto.

domingo, 7 de junho de 2009

Guerreiros sem Armas

Iniciar uma guerra pode ser muito positivo, caso seja ao estilo do Programa Guerreiros sem Armas. Criado pelo Instituto Elos – Brasil, esse Programa "empreende ações para que as pessoas recuperem sua capacidade de sonhar e, com isso, a própria vontade de realizar seus sonhos junto com o outro. Atua em populações urbanas e tradicionais do litoral paulista sob alto risco social e ambiental, trabalhando com jovens empreendedores sociais de quatro continentes". O vídeo é um bom exemplo de cidadania e de como atuar, de forma integrada e participativa, junto à comunidades socialmente vulneráveis.


segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Ecos da Eco 92

O vídeo abaixo traz um discurso histórico proferido durante a Eco-92, Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, ocorrida no Rio de Janeiro. É um discurso de muita coragem, principalmente porque vem de uma pequena garota que, definitivamente, deixou sua marca na luta por um mundo melhor.