terça-feira, 11 de outubro de 2016

Vida Súbita (3) - Round 1

- Sr. Adriano?
- Sim, eu mesmo.
- Preparado?
- Preparado pra quê?
- Pra lutar por sua vida.
- Como assim?
- A próxima luta é sua.
- Desculpe... não estou entendendo...
- Lutem!
- Oi???
PAFFFFF! 




Pronto. O primeiro round termina aqui. Você acaba de beijar a lona. Você não... eu. Mas se fosse você... ou qualquer outra pessoa... estaria no chão do mesmo jeito. E o pior: sem sequer perceber o que havia acontecido. Quem me acertou... quem nos acerta... e sem qualquer aviso prévio... é algo traiçoeiro o suficiente para nocautear o mais forte dos seres humanos: a morte.

Receber a notícia de que há algo muito errado com seu corpo é um imenso soco no estômago. É algo que nos faz perder a respiração, que nos deixa sem sentidos. Não há como ser diferente, não existe uma forma suave de lidar com uma má notícia. E eu recebi essa má notícia da equipe médica: "Chegamos a um diagnóstico... você tem uma doença... e é grave".

Ela - a tal doença grave - nos obriga a iniciar uma luta arbitrariamente indesejada. Pior: ela inicia o primeiro round já sabendo o que vai fazer e onde vai te acertar. Você - o ser humano que se acha imune a tudo - jamais foi preparado para lutar por sua própria vida. Ninguém cogita que uma ameaça passará tão próxima, ninguém se prepara, ninguém recebe treinamento, ninguém jamais pensa no pior.

Receber o diagnóstico de uma doença grave é ser obrigado a pensar no pior. É ter que encarar o medo de frente, é entrar numa briga sem querer... e já tomando um soco na cara. Quando se recobra a consciência, já estamos acuados no canto do ringue. E desse canto, ainda meio atordoados, vemos que a vida mudou. E mudou para pior. E o pior continua ali... esperando-nos voltar para os rounds seguintes. E serão vários rounds... vários... e não sabemos quantos.

Como se não bastasse saber que tenho uma doença grave e incurável, o nome do que tenho é péssimo: displasia arritmogênica de ventrículo direito.

Podiam dar nomes mais amenos às doenças, tipo "chá de boldo"... "você tem chá de boldo". Seria mais fácil lidar com nomes leves. Mas além de não ter nome de chá, minha doença traz aspectos mais assustadores: é incurável e progressiva. Três golpes numa doença só. Podia ser grave, mas haver alguma cura. Podia não haver cura... mas permanecer estável. Mas, além de ser grave e não haver cura, isso vai destruir meu coração aos poucos.

-------------------------------------------------------------

Estou deitado numa cama do Hospital Dante Pazzanese, em São Paulo. Leito 12. É terça-feira, 7 de abril de 2015. Guardei a data sem querer, preferia não lembrar. É meu momento de entrar no ringue e começar a lutar. Porém, ninguém me preparou... eu não conheço as regras do combate... estou ali contra minha vontade... e não dá pra simplesmente ignorar ou fugir.

Naquela tarde de outono minha vida mudou. Difícil descrever a sensação... é como se tivessem tirado meu horizonte e colocado um muro em minha frente. Depois do muro, eu já não sabia mais o que me esperava. Alguns segundos antes... só alguns segundos...  meu futuro ainda estava ali, junto com meus planos de vida... com tudo aquilo que desejava fazer. E... de um segundo pra outro... eu não sabia mais o que esperar do resto de minha vida. Isso assusta. Assusta muito!

Mas calma! É preciso respirar, é preciso entender e assimilar o golpe. O primeiro round é inesperado mesmo... foi comigo e será com qualquer pessoa que enfrente um risco de vida. Toma-se a porrada, desaba-se e pronto. Porém, não é o primeiro round que define nossas vidas... não é nesse que a doença ganha e você perde. Pelo contrário... é o round onde se descobre que a luta pode ser equilibrada. A doença surgiu, o diagnóstico foi inesperado, mas é justamente essa descoberta que nos dará a chance de lutar contra algo que eu e você desconhecíamos até agora.

Eu entrei no ringue sem querer, passei pelo primeiro round e já voltei para lutar outros. Já fui nocauteado, já perdi o fôlego... mas me recobrei. Agora entendo que terei de batalhar por minha saúde, minha vida e tudo de bom e ruim que vier com ela.

A primeira boa notícia nessa turbulência toda é: quando recebemos um diagnóstico de uma doença, seja ela mais ou menos grave, somos colocados em pé de igualdade com aquilo que nos ameaça. É como ser apresentado ao inimigo: "Adriano, Displasia. Displasia, Adriano".

Tá... eu sei... melhor seria jamais ter recebido uma notícia dessas. Mas a vida também é estatística... pessoas ficam doentes, pessoas têm síndromes raras, pessoas enfrentam doenças incuráveis. E por mais que eu me sinta especial ou merecedor de uma vida brilhante... faço parte das estatísticas desse mundo. E se as estatísticas me obrigam a lutar, pelo menos que eu saiba o que estou enfrentando.

A segunda boa notícia é: não importa a doença ou síndrome que você tenha, a medicina do século 21 possui condições de combatê-la de alguma forma. Isso significa que nem mesmo o pior dos diagnósticos será enfrentado sem reação de nossa parte. A chance de simplesmente poder lutar já é algo fantástico quando enfrentamos uma ameaça à vida.

E a terceira boa notícia - talvez a mais importante - é esta: o combate não será apenas da medicina e dos medicamentos contra a doença. O combate será, principalmente, do quanto eu ou você temos coragem para superar isso.

Coragem significa que viveremos uma batalha interna de nossas emoções positivas contra negativas. Nada... nenhum diagnóstico ruim... nenhum médico neste mundo... pode determinar o quanto sua ou nossa coragem poderá interferir na cura de uma doença. Coragem é um dos ingredientes da chamada Resiliência, que é a capacidade que temos de resistir a uma pressão muito grande... uma pressão que quase nos quebra ao meio. Mas, ao invés de quebrarmos, voltamos a ser o que éramos.

É neste ponto que nossas batalhas pessoais começam: na coragem... na resiliência... naquele momento em que começamos a reagir emocionalmente contra o que nos ameaça. Foi neste ponto que minha batalha começou. Entrei num ringue sem querer, tomei uma bela porrada... tenho uma doença cardíaca grave, incurável e progressiva.

Admito que isso me abalou profundamente. Mas também tenho resiliência... comecei a reagir quase imediatamente. E reajo porque quero viver, porque ainda tenho planos a realizar. Eu ainda não sei... você ainda não sabe... mas é a partir de agora que a vida começa a valer a pena.