segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Filantropia?

Hoje quase queimei minha língua ao compartilhar, no Facebook, uma publicação que criticava o altíssimo valor de um cachê recebido pela apresentadora Xuxa Meneghel, que mudou a cor do cabelo após uma empresa de cosméticos oferecer-lhe uma bolada para isso.

A postagem que compartilhei questionava as promoções milionárias do mundo do marketing, um mundo onde celebridades ganham os tubos para divulgar futilidades. Pois bem, Xuxa recebeu 2 milhões de reais para tornar-se ruiva por alguns dias. Esses 2 milhões são, possivelmente, um valor que não deve fazer diferença em sua conta bancária já milionária, mas que poderia fazer diferença se fosse destinado à filantropia.

Eu disse que quase queimei minha língua porque descobri que o cachê foi doado à Fundação Xuxa Meneghel, criada e  mantida pela apresentadora. Significa que ela fez filantropia com o cachê, justamente o destino nobre que poderia ser dado ao dinheiro.

Quando li a notícia da doação de Xuxa à sua própria fundação, quase deletei minha publicação, pois minha crítica parecia injusta. Entretanto, decidi me informar melhor antes de apagar a postagem. Passei a última hora analisando o balanço anual da Fundação Xuxa Meneguel e não foi difícil descobrir que tenho minhas razões.

Se você, cidadão de bem, ganhasse por volta de 30 milhões de reais por ano, isso só em salários (excluindo campanhas publicitárias), é muito provável que se dispusesse a fazer algum tipo de filantropia. Pois Xuxa faz alguma coisa com seu milionário ganho anual, ajudando a sustentar a Fundação Xuxa Meneghel. Mas o tamanho de sua filantropia é bastante questionável em termos financeiros.

- Segundo o balanço financeiro de 2010, Xuxa doou à sua própria fundação, através da Xuxa Produções e Promoções Artísticas Ltda, o total de 1.790.000,00 (um milhão, setecentos e noventa mil reais - pág 46 do relatório anual). Isso representaria pouco mais que 5% do salário anual dela, caso consideremos só a renda salarial da apresentadora, sem acrescentar as receitas de propagandas que ela protagoniza. Talvez a doação pudesse ser bem maior. Talvez seja, mas o site da fundação não mostra isso. Alguns dados importantes do relatório da entidade:

- A partir da doação de outras empresas, a Fundação Xuxa Meneguel recebeu, em 2010, 1.612.000,00 (um milhão, seiscentos e doze mil reais). Nesse ano, o total de investimento da Fundação foi de 3.402.000,00 reais, ou seja, uma pessoa multimilionária tem coragem de passar o pires em busca de recursos financeiros para sustentar metade das despesas anuais de sua própria causa social (pag. 46 do relatório).

- Em 2010, o relatório demonstra que foram realizados 7.333 (sete mil, trezentos e trinta e três) atendimentos, à crianças e jovens na faixa de 3 a 17 anos (p. 37). Para isso, foram gastos 2.937.540,00 (quase 3 milhões), ou seja, quantia equivalente ao salário de 1 mês e 8 dias de trabalho de Xuxa.

- Há 37 funcionários contratados na Fundação Xuxa Meneguel (p. 11). A folha de pagamento de 2010 foi de 1.218.609,00 (um milhão e tralalá, p. 52). Dividindo esse valor por 13 meses (incluindo, assim, o 13o salário), chega-se a uma folha de pagamento de 93.739,00 por mês, o que dá uma média salarial de 2.533,00 (dois mil, quinhentos e poucos reais) por funcionário ou 33 mil reais por ano por funcionário. Trocando em miúdos, o salário anual de Xuxa, que é de 30 milhões só em ganhos fixos, é mil vezes maior do que o salário anual de cada um de seus funcionários.

Resumindo toda essa estória: hipocrisia ou falta de habilidade para fazer filantropia podem ser calculadas em números. O impacto das ações da Fundação Xuxa Meneguel é irrisório perto do que ela poderia fazer com sua imensa fortuna. Não desconsidero a importância do suporte às pessoas excluídas, mas sim algumas personalidades posarem de benfeitoras quando, na verdade, brincam de fazer filantropia com a migalha daquilo que ganham.
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Relatório anual 2010 da Fundação Xuxa Meneguel: http://www.fundacaoxuxameneghel.org.br/boletins/relatorio-de-atividades-fxm-2010/

Salário dos apresentadores de TV no Brasil (achei vários links, mas esse parece ser o mais confiável): http://locutorgermano.no.comunidades.net/index.php?pagina=1587252632

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Hai!


São Paulo possui opções gastronômicas ímpares. Ontem fui jantar num restaurante chinês onde ninguém, ninguém mesmo, domina o português de forma razoável. Tudo começa com o “boa noite” do cliente, que é respondido com um “Hai” pelo garçom. Até aí, tudo bem, soa como no inglês e se assemelha a um cumprimento japonês. O bairro da Liberdade é assim mesmo, uma mistura única de hábitos orientais.

Pedi uma mesa para dois, mas o garçom nos levou até uma mesa para oito, com sistema giratório e um quadro dourado ao fundo, retratando uma pequena vila chinesa com 2 bilhões de camponeses.

- Amigo, tem mesa pra dois?
- Hai!
- M-E-S-A... P-R-A... D-O-I-S... e fiz o 2 com os dedos.
- Hai!
- Ok, amigo, a gente senta aqui mesmo.
- Hai!

Mal nos sentamos e o cardápio foi arremessado sobre a mesa, parando na minha frente, de forma milimétrica. Assustado, olhei para o garçom, que acabara de surpreender outro cliente com seu arremesso ninja. O cardápio estava totalmente em chinês, com rudimentares descrições em português. Foi bem difícil decidir entre língua de pato com brócolis, pato com tofu ou macarrão frito com pato assado. Após uma difícil análise, questionei:

- Amigo, esse prato dá pra dois?
- Hai!
- "Hai" significa que dá?
- Hai!

Aquilo estava me irritando, já não sabia se “Hai” era “boa noite”, “mesa pra oito” ou “língua de pato com tofu”.

- P-R-A-T-O... D-Á... D-O-I-S?
- Hai!
- Tá foda, murmurei baixo. O ninja se afastou e voltou com uma soda.
- Eu não falei soda, meu amigo.
- Hai!

Decidi não murmurar mais.

- Queremos este prato! (e apontei meu dedo para o macarrão com carne e frango, deixando o pato de lado).
- Hai!
- Ah... também queremos um...

Minha frase não se completou, Jackie Chan havia desaparecido de forma furtiva. O prato chegou poucos minutos depois, mas não havia só frango e carne. Conforme nos servíamos, foram surgindo pedaços de camarão, lula e frutos do mar. Chamei o garçom.

- C-A-M-A-R-Ã-O... L-U-L-A... não pedimos isso!
- Hai!
- Amigo, quem é o gerente, Mao Tsé?
- Hai!
- Avise ao cozinheiro que não dá certo misturar invertebrado marinho com vertebrado terrestre!
- Hai!
- Ok... a gente come... tá tudo certo... adoramos frutos do pasto com frutos do mar!
- Hai!

Certa normalidade voltou a pairar no transcorrer do jantar, até que, às 22:15 hs, uma equipe de mulheres ninjas começou a lavar o piso do restaurante.

- Amigo, vocês já estão fechando?
- Hai!
- São 10 e 15 ainda... meio cedo, não acha?
- Hai!
- Vocês seguem o que, o horário de Pequim?
- Hai!
- MEU AMIGO, ESSE RESTAURANTE É UMA DITADURA!
- Hai!
- HAI É O CACETE!
- Hai!

Assisti a poucos filmes de Bruce Lee, mas descobri que não foram em vão. Enquanto socava o frango com lula na boca do garçom, consegui me desviar dos rodos que as mulheres ninjas da limpeza arremessavam contra mim. Chineses e japoneses da região vieram socorrer o conterrâneo e a Liberdade entrou em guerra. Baixou a polícia, a Yakuza, o Seu Miagui, Daniel-san, Van Damme, Steven Seagal e Ultraman. Neste momento, Chuck Norris está negociando a fiança de todos nós junto ao delegado, que também é chinês. A Liberdade jamais será a mesma. E eu jamais comerei alcatra com camarão novamente.
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Acredite, o nome do restaurante é Chi Fu: http://www.qype.com.br/place/496131-Chi-Fu-Sao-Paulo

domingo, 25 de março de 2012

Torcida predial

Morar em apartamento em São Paulo é como estar na própria arquibancada em dia de jogo. Mal começou a última partida entre palmeirenses e corinthianos, e os torcedores de diferentes andares começaram a se provocar. Palavrões pipocaram aqui e ali, até que, lá do 11º, uma senhora gritou: "A PAZ DO SENHOR!". Súplica inútil. Os mais exaltados rebateram na hora: "CALA A BOCA!", "FUCK YOU!". Ela perdeu a fé e o amor ao próximo: "VÃO À MERDA!". Foi quando Deus se retirou.

Os moradores do 7º e 8º, todos são paulinos e neutros até então, foram até suas janelas e pediram tolerância a todos. Tinham a vaga esperança de que pudessem assistir ao Discovery Channel em paz. Ledo engano.

A avalanche de insultos piorou após o primeiro gol corinthiano. E voltou a piorar após o segundo, também dos alvinegros. Irritados com os gritos de "chupa, porcada!", palmeirenses deixaram o fair-play de lado e subiram as escadas até o 12º, dispostos a mostrar quem eram os porcos do prédio. Os corinthianos, avisados da movimentação pelo síndico da Gaviões, desceram em contra-ataque. Os são paulinos, já putos com a falta de classe da galera, deixaram a fleuma de lado e se juntaram aos palmeirenses.

Escrevo em meio aos destroços de meu prédio. Restos humanos de alviverdes, alvinegros e tricolores espalham-se ao meu redor. O síndico, corinthiano desde a fecundação, pega o celular para pedir reforços alvinegros. O zelador, palmeirense desde a vida passada, acerta-o com um mastro verde e desaba em seu último suspiro. O apocalipse atingiu a todos, é meu fim também. Só espero que não haja torcida no Céu.