quinta-feira, 28 de junho de 2012

Hai!


São Paulo possui opções gastronômicas ímpares. Ontem fui jantar num restaurante chinês onde ninguém, ninguém mesmo, domina o português de forma razoável. Tudo começa com o “boa noite” do cliente, que é respondido com um “Hai” pelo garçom. Até aí, tudo bem, soa como no inglês e se assemelha a um cumprimento japonês. O bairro da Liberdade é assim mesmo, uma mistura única de hábitos orientais.

Pedi uma mesa para dois, mas o garçom nos levou até uma mesa para oito, com sistema giratório e um quadro dourado ao fundo, retratando uma pequena vila chinesa com 2 bilhões de camponeses.

- Amigo, tem mesa pra dois?
- Hai!
- M-E-S-A... P-R-A... D-O-I-S... e fiz o 2 com os dedos.
- Hai!
- Ok, amigo, a gente senta aqui mesmo.
- Hai!

Mal nos sentamos e o cardápio foi arremessado sobre a mesa, parando na minha frente, de forma milimétrica. Assustado, olhei para o garçom, que acabara de surpreender outro cliente com seu arremesso ninja. O cardápio estava totalmente em chinês, com rudimentares descrições em português. Foi bem difícil decidir entre língua de pato com brócolis, pato com tofu ou macarrão frito com pato assado. Após uma difícil análise, questionei:

- Amigo, esse prato dá pra dois?
- Hai!
- "Hai" significa que dá?
- Hai!

Aquilo estava me irritando, já não sabia se “Hai” era “boa noite”, “mesa pra oito” ou “língua de pato com tofu”.

- P-R-A-T-O... D-Á... D-O-I-S?
- Hai!
- Tá foda, murmurei baixo. O ninja se afastou e voltou com uma soda.
- Eu não falei soda, meu amigo.
- Hai!

Decidi não murmurar mais.

- Queremos este prato! (e apontei meu dedo para o macarrão com carne e frango, deixando o pato de lado).
- Hai!
- Ah... também queremos um...

Minha frase não se completou, Jackie Chan havia desaparecido de forma furtiva. O prato chegou poucos minutos depois, mas não havia só frango e carne. Conforme nos servíamos, foram surgindo pedaços de camarão, lula e frutos do mar. Chamei o garçom.

- C-A-M-A-R-Ã-O... L-U-L-A... não pedimos isso!
- Hai!
- Amigo, quem é o gerente, Mao Tsé?
- Hai!
- Avise ao cozinheiro que não dá certo misturar invertebrado marinho com vertebrado terrestre!
- Hai!
- Ok... a gente come... tá tudo certo... adoramos frutos do pasto com frutos do mar!
- Hai!

Certa normalidade voltou a pairar no transcorrer do jantar, até que, às 22:15 hs, uma equipe de mulheres ninjas começou a lavar o piso do restaurante.

- Amigo, vocês já estão fechando?
- Hai!
- São 10 e 15 ainda... meio cedo, não acha?
- Hai!
- Vocês seguem o que, o horário de Pequim?
- Hai!
- MEU AMIGO, ESSE RESTAURANTE É UMA DITADURA!
- Hai!
- HAI É O CACETE!
- Hai!

Assisti a poucos filmes de Bruce Lee, mas descobri que não foram em vão. Enquanto socava o frango com lula na boca do garçom, consegui me desviar dos rodos que as mulheres ninjas da limpeza arremessavam contra mim. Chineses e japoneses da região vieram socorrer o conterrâneo e a Liberdade entrou em guerra. Baixou a polícia, a Yakuza, o Seu Miagui, Daniel-san, Van Damme, Steven Seagal e Ultraman. Neste momento, Chuck Norris está negociando a fiança de todos nós junto ao delegado, que também é chinês. A Liberdade jamais será a mesma. E eu jamais comerei alcatra com camarão novamente.
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Acredite, o nome do restaurante é Chi Fu: http://www.qype.com.br/place/496131-Chi-Fu-Sao-Paulo