sábado, 22 de maio de 2010

Sobre a educação de filhos


Uma coisa que me chateia muito é ver uma criança sendo tratada de forma autoritária. Não estou falando de agressões físicas, mas do autoritarismo e da agressividade que vêm através do "não faça isso", do "não pode", ou só daquele irritante "não". 

Outra coisa que me incomoda é lidar com pais que definem suas atitudes autoritárias como "boa educação". Infelizmente, hoje me deparei com as duas situações ao mesmo tempo. Nessas horas, minha providência é tentar colaborar de alguma forma, pois não gosto de ver uma criança entristecida. No entanto, minha colaboração é entendida, com certa frequência, como uma interferência negativa na "boa educação" que os pais dizem estar dando. Já me acostumei a ouvir a frase: "um dia você será pai, daí entenderá o que fazemos". Normalmente, dizem isso em tom de ameaça, previamente assumindo que eu terei atitudes semelhantes.

Há uma terceira coisa que também me irrita nessa estória: ver pessoas leigas em pedagogia desafiarem alguém que estudou essas áreas. Não sou professor à toa, não estudei modelos pedagógicos à toa, não trabalho com educação de crianças e jovens à toa. Ainda me falta aprender muito sobre isso tudo, ainda me falta a experiência de pai, mas autoritarismo é algo que sempre combati e combaterei... inclusive em minhas próprias ações.

Tenho um amigo que diz uma frase sábia: "eles não sabem que não sabem". Pois é assim que tenho visto muitos pais desde que comecei a trabalhar com crianças e jovens, há 15 anos. Simplesmente, os pais ignoram que não sabem pedagogia e que não entendem a mínima de educação. A esses pais desavisados, é importante lembrar que pouco ou nada conseguirão com suas atitudes autoritárias. Normalmente, conseguem o contrário daquilo que procuram atingir. Se querem educação, ganham deseducação. Se querem respeito, ganham desrespeito. Se querem autoridade, ganham filhos que os desafiarão cada vez mais.

Logicamente, há pais que são o oposto de tudo isso. Esforçam-se para respeitar os sentimentos e opiniões de crianças e jovens, pois compreendem que seus filhos também possuem suas próprias autoridades. Pais assim não seguem regras rígidas de horários, não definem o que seus filhos devem vestir ou os locais que devem frequentar. Criam filhos flexíveis o suficiente para interagir com um mundo que será cada vez mais diferente do que já foi um dia.

Como disse, ainda não tive a experiência de ser pai e reconheço a dificuldade em lidarmos com a educação formal e informal de nossas crianças. Sei que conversar e dialogar com jovens é um desafio e tanto, mas o autoritarismo é a pior estratégia nesse processo todo. Peço, portanto, um grande favor: sejam mais compreensivos e menos autoritários com seus filhos... as futuras gerações agradecem desde já.
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Imagem: http://migre.me/Hxnv

sexta-feira, 7 de maio de 2010

O fim da morte

Faz poucos dias que li uma reportagem sobre o "fim da morte". Trata-se de uma matéria sobre os avanços da medicina e os impactos de novas tecnologias da ciência em nosso breve futuro. Dentre os temas abordados estão as células-tronco, a nano medicina e a produção de órgãos artificiais. É surreal a possibilidade de podermos discutir, já nesse início de século XXI, a possibilidade de a ciência vencer a morte. Você pode ler a matéria na íntegra em http://migre.me/A7NB


Muita coisa vai mudar se conseguirmos prolongar a vida até quase
a extinção da morte. Surgirão questões como:

- Como serão nossos valores éticos diante da possibilidade de sermos imortais?

- Como pensarão os religiosos e crédulos diante da possibilidade de estenderem suas vidas? Continuarão acreditando na existência de um Deus após a morte?

- Como serão estruturados os sistemas de trabalho, saúde, alimentação e habitação? Haverá sistemas sociais que abriguem todos os humanos que não morrerão mais?

- Como serão nossas relações profissionais? Uma expectativa de vida ilimitada permitiria que tivéssemos várias carreiras durante uma longa vida. Poderíamos ser médicos durante 60 anos, poetas por mais 40 e jornalistas por mais 50.

- Como ficam as religiões e suas teorias sobre o mundo metafísico? Jogaremos tudo por água abaixo ou criaremos comunidades onde será permitido morrer em paz, de acordo com a religião de cada grupo?

- Caso não gostemos da ideia de vida eterna e optemos por morrer à moda antiga, quem teria coragem de sofrer e acabar com si mesmo, tendo a oportunidade de permanecer vivo e saudável?

Eu sou um desses que não quer morrer. Ninguém quer. E na dúvida entre o Céu e o Inferno, prefiro ficar por aqui mesmo.
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Imagem: http://migre.me/CROb

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Tu amas?

Responda com sinceridade: você já amou alguém sem sentir ciúmes? Já viveu uma relação onde não havia cobranças? Já se sentiu feliz quando seu parceira(o) lhe avisou que gostaria de fazer uma viagem sozinha(o)? Já aceitou o término de uma relação desejando felicidades na nova relação dela(e)?

É preciso ser candidato a santo para responder "sim" a essas questões. E só é difícil responder "sim" porque não aprendemos a amar sem sentir ciúmes, sem cobrar o próximo. Não aprendemos que pode ser uma grande prova de amor aceitar que o parceiro(a) queira viajar sozinho. Não aprendemos que relações duram em liberdade, jamais com nós atados. Não aprendemos que é possível dizer: 'Boa viagem, amor! Envie umas fotos da praia!'.

O mais comum é que respondamos "não" a uma ou a todas essas questões. Comum porque esses padrões são considerados comuns em nossa sociedade. Cobrar o próximo é considerado comum, ser ciumento idem, restringir a vida alheia também. É tão comum que esses padrões de comportamento geram até violência, normalmente contra as mulheres. É tão comum a violência contra as mulheres que muitas pessoas não veem isso tudo como violência.

Amar uma pessoa significa tudo, menos sentir-se proprietário dessa pessoa. O ciúme é uma forma de se apropriar do próximo, não uma forma de demonstrar afeto. As cobranças são, normalmente, uma forma verbalizada de controle sobre o outro. O apego, em boa parte dos casos, é apenas medo de perder o ser amado em algum momento. Sei disso porque já fui ciumento, já cometi o pecado das cobranças e do medo de perder alguém. Felizmente, consegui me livrar disso... não sei se muito ou pouco... mas me livrei em algum grau. É por isso que escrevo este texto.
Fiz 40 anos em fevereiro passado, tempo suficiente para compreender que "amor" significa muita coisa... menos ciúme, medo, apego ou qualquer sentimento menos nobre que exista por aí. Cheguei a essa compreensão após ter feito tudo ao contrário, ou seja, após ter nutrido os piores sentimentos em nome daquilo que eu também considerava "amor". Lógico que não somos carrascos emocionais o tempo todo, muito menos agimos assim de propósito. Somos apenas mal programados para amar... talvez por inexperiência pessoal, imaturidade... mas também por aceitarmos os padrões de amor que moldam nossa cultura.
Faz algum tempo que venho exercitando uma outra compreensão do que pode ser uma relação amorosa. Isso não garante que não cometerei mais pecados como ciúmes ou cobranças, mas me torna um indivíduo mais atento aos momentos em que isso ocorrer. Avancei alguns passos nesse universo de auto-compreensão, mas é necessário esforço contínuo para chegar a esse ponto, algo parecido a fazer uma atividade física: ou se pratica com frequência ou o condicionamento não melhora.

Após errar muito, começo a acreditar que o sentido do amar significa gostar mais de mim mesmo do que de minha namorada. Gostar mais de si mesmo não significa ser egoísta na relação, mas nutrir a própria confiança, a auto-estima e a compreensão dos limites disso tudo. Parece simples quando se fala, mas não é simples quando se faz. É por isso que registro estas linhas, justamente para alertar sobre a necessidade de nos esforçarmos para não sermos tiranos emocionais. E se formos tiranos, faremos tudo nessa vida, menos amar. E acredite... isso é absolutamente trágico.
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terça-feira, 9 de março de 2010

Ilha das Flores

Ilha das Flores é um documentário brasileiro, escrito e dirigido pelo cineasta Jorge Furtado, em 1989. É um curta-metragem que mostra, claramente, a insustentabilidade da estrutura social em que ainda vivemos. Em 1995, Ilha das Flores a crítica européia elegeu-o cum dos cem mais importantes curtas-metragens do século. Também está listado entre os "1001 filmes para se ver antes de morrer", no livro que leva esse mesmo título. Vale a pena.



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Informações sobre o filme retiradas da Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ilha_das_Flores_(curta)

terça-feira, 2 de março de 2010

Sincericídio

Questão 1. Você marcou o primeiro encontro com aquela pessoa que paquera há algum tempo. Durante o primeiro jantar a dois, você age da seguinte forma:

a) Procura passar a melhor imagem possível, abordando assuntos de forma cuidadosa.

b) Procura demonstrar descontração e expor seu lado cômico.

c) É absolutamente sincero em suas colocações, não importando o que a pessoa pensará a seu respeito.

Questão 2. Você consegue um ótimo emprego numa época em que a crise econômica domina o cenário mundial. Durante seus primeiros meses na empresa você age da seguinte forma:

a) Procura transmitir a imagem de uma pessoa eficiente e aplicada ao trabalho.

b) Procura agir com certa pró-atividade, trazendo ideias inovadoras aos seus superiores.

c) Na primeira reunião formal com a diretoria, diz a seu chefe que não suporta atrasos e solicita que ele seja mais pontual nas próximas reuniões.

As duas alternativas "C" são exemplos básicos e breves de um fenômeno bastante complexo: o "sincericídio”.

Como já foi possível perceber, sincericídio é uma junção entre as palavras "sinceridade" e "suicídio". Pode-se dizer que é o hábito de demonstrar sinceridade de forma incondicional, não importando a que ponto as palavras ou atos o levarão, nem as consequências que poderão advir de tal prática.

Isso não significa que os sincericidas sejam inconsequentes. Pelo contrário, são as pessoas mais consequentes desse mundo, justamente porque se esforçam para superar suas próprias mentiras e contradições. São abertos e jogam limpo o tempo todo. Fazem isso dentro da própria família, na relação a dois, no ambiente profissional e onde mais houver oportunidade.

Sincericidas possuem uma tolerância limitada para formalidades desnecessárias e jogos de cena. São muito reativos à falsidades, mentiras, hipocrisias. São responsáveis e esperam que ajam de forma recíproca.

Descobri, recentemente, que sou um potencial sincericida... ou um sincericida de fato, para ser mais sincero. Talvez seja efeito de minha chegada aos 40 anos, talvez seja o resultado do duro processo de aprendizado que tive até esta fase da vida. Não sou psicólogo, mas creio ser difícil identificar a origem psicológica do sincericídio. Sei, apenas, que é resultante de um conjunto de fatores que levam uma pessoa a perceber a efemeridade da vida.

O sincericídio é um caminho sem volta, mesmo porque ninguém sente necessidade de retorno quando trafega por essa via. O sincericida não defende seus erros, apenas os assume e procura corrigi-los. Não diz que não disse, apenas assume suas palavras e procura reforçá-las (em caso positivo) ou se desculpar (no eventual mau uso). Não inventa desculpas ou pretextos, apenas diz o que pretende fazer ou o que fez, para que os outros saibam com quem estão lidando.

Felizmente, tenho encontrado pessoas que estão dispostas a viver da mesma forma. Nem todas passaram por momentos difíceis como o meu, mas leram a mesma cartilha que eu li. Espero encontrar mais pessoas com esse pique daqui por diante, pois tenho tido extrema dificuldade para lidar com hipócritas. Pode acreditar no que digo, é a mais pura sinceridade.
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Nota: Su, obrigado pela inspiração para esse post. Adorei ter conhecido uma sincericida que compreende meu sincericídio. Você é realmente demais! Sinceros beijos!

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Alma Livre Futebol Clube

Não sou adepto de nenhuma religião ou prática espiritual. Cheguei aos 40 anos tendo experimentado várias doutrinas, mas achando todas sacais e excessivamente dogmáticas. Por isso, acabo de fundar o ALFC - Alma Livre Futebol Clube, agremiação apolítica, apartidária e não religiosa. Não tive qualquer influência divina, nenhuma luz branca apareceu na minha frente e ninguém me entregou dois pedaços de pedra dizendo que não pode matar o próximo. Óbvio que não pode matar o próximo, não precisa um pedaço de pedra dizendo isso. Mas cobiçar a mulher do próximo pode... eu conheci minhas namoradas assim. Bom... apesar de ser tudo livre, o ALFC também possui seus...

 10 Esclarecimentos

- Primeiro Esclarecimento: o ALFC é uma associação não-doutrinária, que aceita torcedores de qualquer crença ou de nenhuma crença, desde que estejam dispostos a abrir mão dos dogmas, medos, culpas e maluquices aprendidas em outras religiões.

- Segundo Esclarecimento: o ALFC não possui um deus único, muito menos deuses múltiplos. Sequer é necessária a adoção de um Deus. Cada sócio é livre e responsável por elaborar, se assim desejar, a ideia que bem entender de entidade superior. Também é livre para não elaborar nada. Chega de inventar fábula pra boi dormir.

- Terceiro Esclarecimento: o ALFC é um órgão voltado ao bem e não pode ser usado com fins de manipulação alheia. Serão automaticamente desligados todos os associados que tentarem doutrinar esta iniciativa.

- Quarto Esclarecimento: o ALFC não estimula o uso amuletos, símbolos, imagens ou quaisquer outros subterfúgios que façam alguém depender de um objeto para atingir alguma graça.

- Quinto Esclarecimento: o ALFC não se responsabiliza por milagres ou poderes paranormais desenvolvidos por seus membros. Não acreditamos que alguém possa andar sobre as águas ou transformar água em vinho... a não ser que seja um X-Men.

- Sexto Esclarecimento: qualquer fenômeno considerado estranho será analisado à luz da ciência, a única entidade que explica coisas neste mundo.

- Sétimo Esclarecimento: o ALFC jamais possuirá sede própria, muito menos emprestada, cedida, doada ou ganha por usucapião. Acreditamos que a espiritualidade não requer espaço exclusivo para ser praticada, pode ser em qualquer sala, quarto, banheiro, praça, etc..

- Oitavo Esclarecimento: o ALFC não admite discriminação religiosa, espiritual, astrológica, adivinhatória, sexual, racista, étnica ou de qualquer outra origem. Já basta o Bolsonaro de idiota neste mundo.

- Nono Esclarecimento: todos os associados estão isentos de quaisquer sentimentos de culpa que possam causar danos psicológicos (transitórios ou permanentes), a si mesmos ou a outros. Culpa é ideologia de dominação de religiões de segunda categoria.

- Décimo Esclarecimento: os dez esclarecimentos entram em vigor na hora que cada um bem entender.

PS: sejam agnósticos ou ateus, as religiões só trazem problemas ao mundo.

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Logotipo do ALFC criado, colorido, contornado e preenchido, agora há pouco, pelo site http://www.says-it.com/seal/

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Tomate, Cebola e Sexo

Tenho a sorte de já ter convivido e de continuar convivendo com pessoas que falam de sexo como se falassem da feira semanal. Falam de masturbação, gozo, sex shop ou trepada com a naturalidade de quem fala de tomate ou cebola.

Não se consegue fazer isso de uma hora para outra. É preciso encontrar pessoas que encarem o sexo com menos tabu do que a sociedade normalmente encara. É difícil encontrá-las por aí.

Também não é fácil perder o constrangimento diante do assunto, isso é algo que acontece aos poucos. É como andar de bicicleta... tarefa insegura no início, mas que depois torna-se natural. Chega uma hora que se encara o sexo com naturalidade, sem pudores, medos ou conservadorismos.

Esta postagem é uma homenagem a essa ideia, da qual sou um defensor. E minha homenageada é a sexóloga e apresentadora, Mõnica Moreira Lima, ou só Mõnica Lima. Mônica tem um canal no YouTube chamado "Sem Vergonha", onde fala de sexo muito mais naturalmente do que de qualquer feira, tomate ou cebola deste mundo.

Este link direciona para o programa de Mônica sobre Orgasmo Feminino. Vale a pena assistir. Vale a pena começar a encarar o sexo sem tabus. E Mônica Lima é especialista nisso.

https://www.youtube.com/watch?v=4Ju9OiHjWj4


domingo, 7 de fevereiro de 2010

A reflexão perdida


Penso, mas pouco reflito.
Pergunto, mas não me respondem.
Ouço, mas pedem que eu não escute.
Faço, mas dizem que não é assim.
Vou, mas tentam me segurar.
Volto, mas tentam me impedir.
Protesto, mas tentam me calar.
Mostro, mas dizem que não veem.
Calo-me, então, como um morto.
Afirmam, finalmente, que estou vivo.

Estou parado em frente à tela de meu blog há um bom tempo, tentando elaborar frases de efeito para iniciar esse texto. Consegui elaborar essas acima. Já havia escrito algumas orações mais convencionais, mas nada parecia ter o impacto que pretendia dar ao assunto. Talvez seja o calor deste domingo de fevereiro, mas me recuso a culpar o clima pelo vazio momentâneo de ideias.

É curiosa essa dificuldade para achar as palavras certas, montar a estrutura adequada de raciocínio. Escrever não é tarefa fácil, todos sabem disso. Mas há algo logicamente construído por detrás dessa dificuldade, uma espécie de sombra que se projeta sobre a capacidade de reflexão de inúmeras pessoas.

A dificuldade de escrever não é apenas falta de prática ou de muito estudo sobre gramática. É uma dificuldade imposta de propósito em muitos países e sistemas educacionais. É uma dificuldade completamente artificial, programada desde nossa infância.

Não é interessante que qualquer pessoa saiba expressar muito bem suas ideias e valores. A boa escrita determina a classe social da qual viemos, é uma espécie de passaporte diplomático, algo que poucos possuem. É a forma que as classes mais dominantes possuem de exercer pressão sobre as classes menos privilegiadas. Ideias expressas em letras tornam-se livros. Livros tornam-se instrumentos ideológicos. E ideologia é uma forma antiga de dominação.

Faço parte de uma geração que foi estimulada a pouco escrever. Recebemos educação escolar e familiar aos montes, mas sempre em doses bem controladas. Sou fruto de um sistema social e educacional onde se ensinava a engolir pensamentos, ao invés de manifestá-los. Impulsos como reflexão, crítica, questionamento e curiosidade eram tratados com muito cuidado por educadores, pais e sociedade em geral.

Nasci no início de 1970, poucos anos após o golpe militar que cravou a indigna ditadura no Brasil. Tão indigna, que minha infância e adolescência foram cercadas por um currículo escolar fragmentado em disciplinas desconexas, especialmente elaboradas para serem decoradas, jamais questionadas.

Passei quase minha vida inteira em escola pública, considerada referência de qualidade à época. Apesar do currículo engessado em matérias isoladas, era o que havia de melhor dentro do regime ditatorial que vigorava no Brasil. Mas esse 'melhor' era até a segunda página, depois disso o sistema educacional transformava-se numa sequência de fatos, fórmulas e regras decoradas. E decorada não significa aprendida a partir de alguma reflexão. Já comentei sobre isso em outro post

Essa pedagogia da alienação surtiu alguns efeitos. Aprendemos a pensar sim, mas meio às avessas. Como era impensável criticar professores e diretores, aprendemos a engolir nossos protestos e a pouco externar nossas opiniões. Como não nos ensinaram a razão da pobreza e da riqueza, aprendemos que os bens materiais definem o caráter das pessoas.

Como não nos ensinaram filosofia, não aprendemos a distinguir o mundo falso do mundo real. Como não nos ensinaram sociologia, não aprendemos sobre a estrutura desigual de nossa sociedade.  Há essas e outras falhas em minha formação... e o tempo parece escasso para desprogramá-las.

Criei meu blog justamente para exercitar o senso crítico que pouco exercitei durante meus anos escolares. Escrevo, portanto, para salvar a mim mesmo, pois sou um náufrago da má pedagogia. Sei que há muitos outros náufragos à deriva, pessoas que ainda falam, criticam, expressam, combatem, reflitem. Se você fizer o mesmo, muitos saberão que também sobreviveu.
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Imagem: http://niilismo.net/galeria/pictures/repressao.jpg

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Paixão virtual

De: Tímido 39
Para: Descolada 34
Assunto: Olá!

Olá, vi seu perfil e sua foto e te achei super interessante. Faz apenas dois dias que me cadastrei aqui e ainda estou vendo se este site é interessante... na verdade, foi uma amiga que insistiu para que criasse um perfil. Enfim, se quiser conversar, entre em contato, posso te enviar fotos.
Bjs,
Tímido 39
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Fui um garoto tímido durante minha infância e adolescência. Tímido talvez não seja o melhor adjetivo, quem sabe fosse só uma criança introspectiva. Ou as duas coisas, sei lá! De qualquer forma, sempre fui muito tímido em relação às garotas, como são quase todos os adolescentes. Tive algumas paixões platônicas, mas não me declarei a niguém, ... afinal, como se declarar à amada quando se é criança ou adolescente? Se até hoje não tenho a resposta, quanto mais naquela fase.
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De: Descolada 34
Para: Tímido 39
Assunto: Re: Olá

Olá, Tímido 39! Tudo bem com você?! Gostei bastante do seu perfil também! Acho que temos alguns pontos em comum... Como não sou assinante ouro do site, só posso ler e responder a 1 mensagem sua. Bjs, Descolada 34
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Pois é... quase 40 anos de vida e só agora consigo cantar garotas de uma forma minimamente civilizada. Mas o mérito não é meu, é de um site de relacionamento onde me cadastrei há poucos dias. Cadastro feito a contragosto, devido ao preconceito que descobri ter contra sites assim. Minha impressão é que estou num grande classificado emocional, como aqueles que apareciam no mundo machista das revistas eróticas dos anos de 1970 a 1990, antes do surgimento da internet.

O site em questão é uma grande rede social de pessoas buscando relacionamentos. Homens e mulheres atrás de homens e mulheres, ou seja, há opções para todos os tipos de sexualidade. Há um filtro de pesquisa bastante detalhado para a busca da alma gêmea, onde o internauta seleciona o que está procurando. A lista do filtro é imensa: relacionamento homo ou heterossexual, idade, município, cor dos cabelos, dos olhos, estatura, cor da pele, se a pessoa tem ou não tatuagem... enfim... você consegue encontrar a parceira ou parceiro ideal clicando aqui e ali.

O site também cobra das pessoas que o visitam. Se você não for assinante ouro, as possibilidades de interação com outras pessoas ficam bem limitadas. Pois é... paguei 34 reais para ser ouro e paquerar as garotas com todos os recursos virtuais disponíveis, como mensagem, piscadinha, bate-papo e por aí vai. Meu preconceito não mudou uma vírgula após meu pagamento, continuo achando a iniciativa um grande mico.
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Timido 39: Olá, tudo bem?
Descolada 34: Tudo bem! Me conta mais de você...
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A conversa começou a ficar melhor a partir daí. É muito mais tranquilo paquerar online do que ao vivo. Algumas barreiras da timidez simplesmente desaparecem, já que nem eu sei quem é a pessoa e vice versa (as fotos do perfil são verdadeiras, os nomes não).

Achei Descolada 34 o máximo! Inteligente, perspicaz, ótimas sacadas e um super bom humor! Aliás, foram essas as características que havia selecionado quando criei minha parceira ideal no site. É como brincar de Deus criando Eva. Ou de Eva criando Adão. A sensação é legal, assim como é legal o sentimento de se apaixonar pelas fotos de perfil.

Meu preconceito foi desmoronando conforme visitava perfis e tinha conversas agradáveis. Fantástica essa possibilidade de virtualizar a paquera, o namoro, até um possível casamento. É uma grande ajuda não só para pessoas tímidas, mas para pessoas que já não têm pique para ir à baladas procurar o par ideal. É algo discreto, descontraído, uma iniciativa ótima para quem está na faixa dos 30, 40, 50 ou até mais ou menos. 

A paquera com Descolada 34 não foi muito longe. Assim como eu utilizo a busca para encontrar meu par ideal, ela o faz para achar o homem ideal. Desencontramos. Paciência. Acabou dando certo um encontro com outra pessoa que conheci no mesmo site. A vantagem é que já cheguei ao encontro com meio caminho andado, pois ambos sabíamos que estávamos ali por causa de um site de relacionamentos. Não vou precisar passar por aquela fase às vezes chata dos rodeios, das meias palavras, de minha histórica timidez. Também foi por terra meu preconceito contra sites desse tipo. Dois benefícios num pacote só: vencer a timidez e acabar com um preconceito. Vantagens de uma época em que até os sentimentos são virtuais.
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Nota: Tímido 39 e Descolada 34 são nomes fictícios. No site tínhamos outros codinomes. 

sábado, 30 de janeiro de 2010

O céu para nadar

Dou um impulso em direção ao céu. Meu corpo decola facilmente.Tem inicio, mais uma vez, o voo tão esperado. Ganhar altitude não é difícil, pois me sinto à vontade na decolagem. Pareço, no entanto, uma criatura alada estranha, pois não bato asas e não mantenho a postura quase imóvel dos super-heróis. Ao contrário, saio nadando em pleno ar! Sim, estou voando! Mas, ao invés de bater asas, movimento os braços para nadar, como se estivesse em plena água. Sinto meu corpo transbordar de êxtase e felicidade, a sensação é indescritível!

Conforme me afasto do solo, acelero o ritmo de braçadas e ganho velocidade. Estou no céu de minha cidade. Domino a atmosfera, aproveito para voar por locais familiares, minha escola, meu clube, a praça. Sem dificuldade, mudo o estilo em pleno ar, alternando entre costas, borboleta e peito, este último, minha especialidade.

Contudo, aos poucos sinto que minha energia começa a se esvair. Volto ao nado livre para poupar meu voo, mas minha força continua a se esgotar. Procuro nadar, rapidamente, em direção a terra, tentando evitar a queda iminente. Apesar da pressa do retorno, a sensação continua sendo de prazer. Neste momento, abro os olhos e acordo! Seguem-se alguns segundos, até me localizar, novamente, em meu quarto. Saio do estado de confusão e entendo que meu sonho predileto ocorrera mais uma vez. Sinto-me um pouco assustado, é verdade. Mas, acima de tudo, sinto prazer por ter voado mais uma vez.

Esse sonho é algo recorrente em minha vida. Muita gente sonha que está voando, eu sei disso. Mas nunca procurei saber quantos sonham estar nadando em pleno ar. Como já comentei em outros textos, comecei a nadar muito cedo, mais precisamente aos quatro anos de idade. Mal havia dominado o ato de andar sobre duas pernas e lá estava meu corpo na água, ambiente que se tornou tão familiar quanto o terrestre.

Nadar não foi a única habilidade que desenvolvi nessas quase quatro décadas de vida. Também aprendi a reconhecer minha força física e minha capacidade emocional para superar treinos extenuantes e muitas, muitas dores mesmo. Não que controlar e suportar a dor seja algo muito positivo, mas é uma condição exigida de qualquer atleta. Da mesma forma que aprimorei meu físico, desenvolvi habilidades emocionais e sociais com a natação. Como integrante de uma equipe talentosa do interior paulista, fui exposto á inúmeras situações que estimularem a formação de meu caráter.

Tantas experiências positivas acabaram por também definir minha carreira profissional. Sou um dos integrantes da primeira turma do curso de Bacharelado em Esporte, da Universidade de São Paulo. Experiência acadêmica inédita colocada em prática a partir de 1992 na USP. O novo curso atraiu pessoas que haviam respirado o esporte com o mesmo entusiamo e com a mesma paixão que eu. Foi nesse mundo acadêmico que encontrei minha vocação para a docência no ensino superior.

De nadador compulsivo, transformei-me em professor e pesquisador. Nessa trajetória, tive a grata oportunidade de trabalhar ensinar natação para crianças, adolescentes e, principalmente, para portadores de deficiências, tentando ensinar natação àqueles que me ensinaram a viver quase sem limites. Ensinei meus alunos a dominar o mundo aquático. Passei adiante aquilo que vivi em toda minha vida.

O mundo aquático funde-se entre minha realidade e minha fantasia. Na verdade, tenho a impressão de que não parei de sonhar até hoje. Das primeiras braçadas em minha infância, passando pela carreira de atleta, até chegar à profissão que abracei, tudo passou pelo significado da natação e da água em minha vida. E se venci a força da gravidade com minhas braçadas, creio que nada mais é impossível nessa vida.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Give peace more chances

Milhões de seres humanos pedem, todo final de ano, que haja mais paz no ano seguinte. Às vezes conseguimos acalmar nossas vidas, a vida de alguns próximos, mas muita gente desvia da paz de propósito. Estou na "batalha" por um mundo melhor, muita gente está e milhares de outros já estiveram. Uma hora a gente vence, tenho certeza disso! "Give peace a chance" é uma música que nunca nos deixará esquecer de nosso maior objetivo.