domingo, 25 de março de 2012

Torcida predial

Morar em apartamento em São Paulo é como estar na própria arquibancada em dia de jogo. Mal começou a última partida entre palmeirenses e corinthianos, e os torcedores de diferentes andares começaram a se provocar. Palavrões pipocaram aqui e ali, até que, lá do 11º, uma senhora gritou: "A PAZ DO SENHOR!". Súplica inútil. Os mais exaltados rebateram na hora: "CALA A BOCA!", "FUCK YOU!". Ela perdeu a fé e o amor ao próximo: "VÃO À MERDA!". Foi quando Deus se retirou.

Os moradores do 7º e 8º, todos são paulinos e neutros até então, foram até suas janelas e pediram tolerância a todos. Tinham a vaga esperança de que pudessem assistir ao Discovery Channel em paz. Ledo engano.

A avalanche de insultos piorou após o primeiro gol corinthiano. E voltou a piorar após o segundo, também dos alvinegros. Irritados com os gritos de "chupa, porcada!", palmeirenses deixaram o fair-play de lado e subiram as escadas até o 12º, dispostos a mostrar quem eram os porcos do prédio. Os corinthianos, avisados da movimentação pelo síndico da Gaviões, desceram em contra-ataque. Os são paulinos, já putos com a falta de classe da galera, deixaram a fleuma de lado e se juntaram aos palmeirenses.

Escrevo em meio aos destroços de meu prédio. Restos humanos de alviverdes, alvinegros e tricolores espalham-se ao meu redor. O síndico, corinthiano desde a fecundação, pega o celular para pedir reforços alvinegros. O zelador, palmeirense desde a vida passada, acerta-o com um mastro verde e desaba em seu último suspiro. O apocalipse atingiu a todos, é meu fim também. Só espero que não haja torcida no Céu.