quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

A que horas jantaremos?

- Como faremos daqui por diante? Sempre jantamos às sete!
- Homens livres não têm hora para jantar.
- Mas sempre fizemos assim! A que horas jantaremos?

O breve diálogo é entre um escravo e a cidadã revolucionária que veio decidida a libertá-lo. A cena é do filme "Manderlay", do cineasta dinamarquês, Lars Von Trier, um exímio questionador de alguns arraigados hábitos da sociedade americana. Por tabela, sua crítica estende-se ao restante de nosso contraditório mundo.

O roteiro de Marderlay transcorre durante os anos trinta do século XX, décadas após a escravidão ter chegado ao fim nos Estados Unidos. E ainda que a cena fizesse referência aos dias de hoje, seria inquestionável sua atualidade . A pergunta feita pelo empregado livre, sobre o horário do jantar após conseguir a própria liberdade, traduz muito da mentira inventada pelas sociedades ocidentais sobre o fim da escravidão. Por sinal, a mesma escravidão que nunca terminou, que se estende até os dias atuais, com brancos explorando negros e outras etnias.

Não sou sociólogo, nem antropólogo, mas não é preciso ser especialista para perceber que a libertação dos negros foi até onde interessava para os brancos. De uma certa fronteira em diante, não há qualquer liberdade concedida.

Liberdade só tem sentido quando todos, sem exceção, têm acesso aos seus direitos e os exercem em sintonia com os direitos alheios. O que ocorreu em fins do século XIX passou longe disso, pois as responsabilidades pelo fim da escravidão recaíram, basicamente, sobre os negros. Basicamente, os brancos conservadores disseram: "Fizemos nossa parte, fomos bons, agora se virem". Pura mentira com ares de bondade. Se o propósito de libertação dos negros fosse realmente nobre, direitos civis, políticos, trabalhistas, sociais e econômicos teriam sido compartilhados sem exceção.

No Brasil, a mentira da libertação do negro pode ser vista em qualquer lugar. Nossos irmãos estão se virando nas periferias, nos subempregos, na marginalidade, no salário de fome, nas gorjetas para amenizar a miséria, na liderança do tráfico de drogas, no preconceitos contra as cotas nas universidades, nos crimes dos quais são vítimas. E a maioria dos "homens brancos" sabe apenas lamentar o aumento da violência, sem perceber que seus antepassados e eles próprios inventaram uma mentira sobre a liberdade dos negros. E quem mente são os brancos, diga-se de passagem.