segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

Deus é um gene?

Milhões juram que Ele existe. Milhões conseguem imaginá-lo somente como um senhor com cabelos grisalhos e uma longa. Porém, a crença em Deus pode ser uma peça pregada por seus genes.

Obviamente, a ciência não pretende destronar Deus com sua descoberta, apenas mostrar que o ser humano é mais complexo do que parece. A existência de um gene ligado à fé é uma suposição bastante considerada pela ciência, isso desde a década de 1960.

Foi uma britânica quem primeiro levantou essa hipótese. Jane Goodall, famosa por estudar o comportamento de chimpanzés na Tanzânia, país da África oriental. A partir de suas numerosas observações, descobriu que essa espécie agia de maneira bastante estranha quando estavam, por exemplo, diante de uma simples cachoeira, demonstrando um comportamento inequívoco de reverência. Alguns chimpanzés permaneciam sentados em uma rocha diante da queda d'água, como se estivessem hipnotizados. Outros ficavam sob a queda d'água por longos períodos, até 50 minutos, quando o ato de se molhar sequer fazia parte dos hábitos desses animais.

Uma das conclusões da pesquisadora é que esse comportamento representaria um traço de uma religiosidade primitiva. Em outras palavras, nossos parentes, assim como a espécie humana, carregam um gene que vem percorrendo nosso DNA e nos fazendo acreditar num ser superior.

Edward O. Wilson, um dos pioneiros da sociobiologia, ciência que busca compreender o comportamento humano através de padrões biológicos, considerou que nossa predisposição para acreditar em um ser superior pode ser apenas parte da postura de submissão característica do mundo animal. Observando macacos rhesus (os mesmos que deram origem ao Rh do sangue), constatou que o macho dominante dessa espécie caminha com a cabeça e cauda erguidas, enquanto os dominados mantêm cabeça e cauda baixas, tanto em sinal de reverência quanto em troca de proteção, abrigo e comida. Portanto, a tendência de se submeter a um ser superior pode ser uma herança evolutiva que vem se reforçando em nosso DNA para que acreditemos numa autoridade superior ou num Deus.

Na década de 1990, o radiologista Andrew Newberg e o psiquiatra Eugene D'Aquili (já falecido), resolveram investigar um pouco mais os efeitos dessa determinação genética. Buscaram, diretamente no cérebro, a origem da experiência religiosa do ser humano. Utilizando aparelhos de tomografia, analisaram as áreas cerebrais de freiras franciscanas e monges budistas durante períodos de oração e meditação. A pesquisa indicou uma diminuição de atividade elétrica no lobo parietal superior desse grupo, região responsável por nossa orientação espaço-temporal, ou seja, por dizer onde termina nosso corpo e onde começa o mundo. Sem a ativação dessa área, surge a sensação de que se está unido a um todo, sensação muitas vezes descritas como uma aproximação ou encontro com Deus. Mas, para a ciência, apenas uma sensação.

Logicamente, a discussão não é nada trivial e talvez nem tenha um fim. Mas a ciência está aí e não vai parar de investigar os fenômenos neurológicos de nossa espécie. Isso significa que, um dia, talvez venhamos a aceitar a experiência da fé apenas como expressão de nosso DNA.
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Inspirado em diversas conversas e reflexões com amigos, amigas e na recente reportagem "Deus existe?" (Revista Superinteressante, dez. 2005). Referências utilizadas na matéria da Revista: Miles, Jack. Deus, uma biografia. Companhia das Letras, 2002. Dawkins, Richard. Desvendando o arco-íris. Companhia das Letras, 2000. Wilson, Edward O. Consiliência. Editora Campus, 1999. Sagan, Carl. O romance da ciência. Francisco Alves, 1982. Newberg, Andrew; D'Aquili, Eugene. Why God won't go away. Ballantine Books, 1982. Behe, Michael. A caixa-preta de Darwin. Jorge Zahar Editor, 1997.
Ilustração: montagem em photoshop a partir das imagens encontradas em http://www.freedesktopwallpapers.net/art/michelangelo-creation.jpg e http://www.alzheimers.org/unraveling/images/large/DNA-HIGH.jpg

3 comentários:

  1. Já tinha te visto no Orkut e, a julgar pelas suas comunidades lá, acho que esse seu blog promete. Boa sorte!

    Pra mim isto é quase um vício: www.resquiciosdodia.blogspot.com

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  2. Dri, invista em sua escrita, estah muito legal o texto, te desafio a escrever sobre o amor...O que e? e se existe, etc... que romantico, nao?"
    Beijos, Adri

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  3. Adriano, eu que levo meu blog à toa e vc que escreve assim sobre DNA? Se Deus for gene(s) o famoso livre arbítrio será explicado como a ação do ambiente. Muito interessante a idéia (e o texto ;-). Parabéns!! Bjs.

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