Faz falta escrever, a gente perde o jeito, perde as palavras, perde a melhor forma de estruturar uma frase... mas vou recuperando isso aos poucos. Quero aproveitar o pique para relatar, ainda que em breves flashes, o que ocorreu nesse período.
Parte 1 - Em 9 de agosto do ano passado tive a sensação de perder alguém sem ter perdido. É estranho o sentimento que uma grande distância geográfica pode nos provocar. O chão desaparece por algum tempo e o próprio tempo adquire outra dimensão. Muito mais lenta, por sinal. O silêncio, que não era ouvido, começa a se fazer presente. O presente, que não era sentido, passa a durar cada eterno segundo. As noites, antes pouco vistas, passam a ser como o dia. Aprendi que há uma finalidade nesse processo... ajuda-nos a mobilizar forças que permaneciam latentes e alavancar planos não planejados. Coloca-nos num estado de prontidão onde toda a energia converge para um ponto que sequer existia. Passa-se a refletir como nunca e até mesmo a conversar com aqueles que apenas aguardavam o início do diálogo. Fase de instrospecção pura, necessária e dolorida. Tão dolorida que chega a deixar marcas físicas, algumas difíceis de se curar.
Parte 2 - Floyd Rowry é um morador da cidade de São Francisco, Califórnia. Conhecio-o quando ele tentava vender jornais para apoiar o movimento dos sem-teto americanos. Parei para comprar o Street Spirit e a conversa se estendeu. A situação dos homeless é um contraste gritante para aqueles que andam pelas ruas endinheiradas dos Estados Unidos. Floyd era um cara esclarecido e consciente sobre seu papel e sobre sua tragédia social naquele momento. Não estava na rua à toa, problemas familiares e econômicos lá o colocaram. Não estava faminto, como é comum nos brasileiros abandonados à míngua. E tinha a clara noção de que Tio Sam e companhia poderiam resolver aquela situação, se realmente quisessem. Não só a situação do Floyd, mas dos milhares de homeless que perambulavam pela Market Street e outras tantas ruas dos EUA. Floyd tornou-se uma boa companhia. Fizemos um trato: ele me dava algumas aulas de inglês "de rua" e eu lhe pagava o que podia. Em nossas conversas, expliquei-lhe o motivo de minha inesperada ida aos EUA. Por coincidência, ambos estávamos ali por razões bem semelhantes. Floyd foi um grande amigo durante um bom tempo. Boas conversas, boas risadas, alguns choros e vários questionamentos, ambos tentando compreender as peças que a existência nos prega sem aviso prévio.
Parte 3: Cláudia também estava lá para me apoiar. Aliás, seu apoio começou bem antes de minha partida. Amável, inteligente e dinâmica, muito dinâmica. Do tipo que toma decisões rápidas e acertadas, sem pensar muito. Aliás, nela não há aquela linha de separação entre o pensamento e a decisão, tudo acontece ao mesmo tempo, sem inseguranças e meio termos. Uma pessoa rara, que equilibra intelectualidade e espiritualidade com extrema clareza. Ajudou-me muito, clareou meus pensamentos, apoiou meus projetos, incentivou minhas atitudes, indicou a direção que deveria seguir em terras ainda desconhecidas. Assim como Floyd, foi um tremendo suporte emocional, que surgiu na hora certa e distanciou-se no momento exato. Entrou e saiu de cena temporariamente, cumprindo à risca seu papel.
Parte 4: Creio que o Evandro desvendou o segredo das mulheres: "- Quando elas disserem sim, é não. Quando elas disserem não, é sim". Soou engraçado naquele momento, mas na eterna tentativa de entendimento entre os sexos, essa simples verdade parece ser lei. Já estava em Berkeley nesse momento e foi meu caro amigo o responsável por clarear algumas angústias que insistiam em me acompanhar. Grande figura, humor totalmente à prova de bala, alto astral até quando as coisas nao iam tão bem. Orientador perfeito para quem busca boas dicas de eletrônicos e similares em qualquer lugar do mundo. Fotógrafo profissional, ensinou-me alguns truques para se fazer mágica no momento de tirar uma foto. Estou treinando até hoje e os resultados têm melhorado. Elisa também estava lá, assim como Nitti, Alex, Patrícia, Mr. Greg e Tammy. Todos grandes amigos, souberam ser solidários nos momentos mais precisos.
Parte 5: Sherry e Victor formam um casal especial e moram numa bela casa nos subúrbios de Berkeley. Foi ali que passei o final de dezembro e o início de janeiro, ajudando a cuidar das coisas enquanto estavam ausentes. Dali partia, diariamente, para meus passeios de bicicleta, que cruzavam boa parte de Berkeley, cortavam a universidade e, invariavelmente, acabavam na casa da Delaware Street, o ponto de parada mais aguardado do dia.
Parte 6: Se não fosse por uma única pessoa, isso tudo sequer teria começado. Do inesperado e-mail que nunca deveria ter enviado, da visita a Yosemite até a correria de última hora no aeroporto, tudo passou pela motivação de estar próximo a ela. Os incansáveis jantares no restaurante tailandês, os numerosos cafés e cookies, os diversos passeios, natal, ano novo... cada dia tinha sua participação, ainda que fosse apenas em pensamento. Desde agosto de 2006, quando tudo teve início, meu norte foi invertido. Passei a agir mais instintivamente, deixando a tão praticada racionalidade de lado. Repensei hábitos arraigados, reformulei planos, propus decisões bastante sérias. Não foi fácil explicar-lhe em que ponto iniciou-se toda essa avalanche, só posso afirmar que realmente aconteceu e que foi muito sincera. Hoje, olhando pelo retrovisor, vejo que meu instinto guiou esse processo em velocidade máxima, sem me dar qualquer oportunidade de acionar o freio. Não posso dizer que a empreitada deu certo ou errado, mesmo porque a situação não se dividiu entre o sim e o não. Só posso afirmar que tudo foi apenas diferente do que havia sido até aquele momento.
Final: Estou cá novamente, com as lições literalmente incorporadas. No momento, preocupo-me em fazer alguns pequenos reparos na máquina de órgãos e ossos que se exauriu completamente. Preciso acumular energias para levar o Pan adiante. Dez meses agitadíssimos, sem dúvida. E ainda sinto que a melhor parte está por vir...
Adriano:
ResponderExcluirTem hora que acho que nós, mulheres, não somos mesmo muito confiáveis. Eu jamais me mudaria aqui para a Noruega se meu amor fosse uma mulher. Porque as cabeças femininas mudam de pensamento conforme o assento, sabe? Como na música: "La donna è mobile, qual piuma al vento, muta d'accento — e di pensiero"...
Nunca fui a favor de mulher é assim, homem é assado. Mas às vezes as mulheres são mesmo assim e os homens são mesmo assado, por mais que a gente seja contra os determinismos da vida.
Boa sorte!!!!!