Essa fábula passa-se num distante reino, coincidentemente chamado Planeta Terra. Nesse reino, as crianças eram tratadas de forma bastante peculiar. Mal ensaiavam seus primeiros passos e a palavra mais importante que aprendiam era "NÃO".
No início de suas vidas ainda vibrantes, quase nenhuma importância davam ao significado daquele som. Porém, em apenas alguns anos, a repetição constante fazia com que todas as crianças aprendessem o significado do NÃO. Nessa fase, formava-se uma pequena corcova nas delicadas costas daqueles pequenos seres. As crianças mal percebiam a tímida metamorfose, mas seus pais - e toda a sociedade - já olhavam com orgulho aquela transformação. Era o sinal de que a situação corria conforme planejada.
Poucos anos após o início desse processo, a pequena corcova, agora com tamanho considerável, começava a incomodar. Nessa fase, quase todas as crianças freqüentavam escolas apropriadas para reforçar essa transformação. Também já recebiam os primeiros ensinamentos de suas futuras religiões, além de outros códigos de moral e conduta.
Havia muitos tipos de escolas e religiões no Planeta Terra, quase todas dispostas a aumentar o tamanho da corcova. A receita para aumentá-la era simples: doses rígidas de educação, quantidades ínfimas de questionamento, muitas pitadas de rigorosos valores religiosos, sempre acompanhadas de ingredientes como moral e culpa. Para completar, onde quer que estivessem, as crianças eram cuidadosamente vigiadas por algum sentinela de plantão. Brincadeiras e iniciativas eram podadas aqui e ali, sempre interrompidas com a palavra mágica "NÃO".
Quando chegavam à adolescência, as crianças já não mais se pareciam com seres humanos. Todas elas haviam se transformado em dromedários, mutação provocada pelo aprendizado das regras sociais, da rígida educação, da moral religiosa, da culpa e, logicamente, pelos anos de repetivivos "NÃOS". Somente grandes corcovas poderiam suportar toda essa carga, por isso as crianças assumiam a forma de dromedários. A essa altura, muitos sequer percebiam o peso sobre suas costas, de tão habituados a ouvir as verdades que lhes eram impostas. Por sorte, era justamente nessa fase que alguns dromedários descobriam uma palavra quase nunca pronunciada naquele planeta: o "SIM". Poucos haviam aprendido a utilizá-la quando crianças, mas parecia algo instintivo para alguns.
Conforme um ou outro dromedário repetia o "SIM", iniciava-se uma nova transformação. Seus corpos modificavam-se brutalmente e a pesada corcova desaparecia. Passavam, então, a ser comom leões. Pareciam muito mais ameaçadores nessa nova forma, mas estavam apenas mais confiantes e conscientes da força que um dia quase fora apagada de suas mentes e de seus desejos.
Os leões, então, passavam a combater cada "NÃO" com sonoros e repetitivos "SIM". Não era fácil para pais, educadores e religiosos aceitarem aquela palavra de desafio, afinal, o método "NÃO" prevalecia há muito tempo no Planeta Terra. Era nessa fase que ocorriam duros embates entre os leões e aqueles que diziam "NÃO".
Apesar de serem fortes, milhares de leões sofriam com os preconceitos e discriminações que lhes eram impostos durante esse período. Para uma sociedade que esperava outro tipo de mudança, discriminar os diferentes era a única opção. Faziam isso porque se sentiam ameaçados.
Para que a ameaça não se concretizasse, muitos leões eram colocados em clínicas de recuperação ou mesmo acusados de serem falsos leões. Muitos eram excluídos da sociedade, alguns eram literalmente abatidos, mas muitos acabavam assumindo posições onde podiam lutar contra as regras.
Nessa fábula, havia uma última e trágica transformação, que atingia os dromedários que não haviam seguido os passos dos leões. Essa transformação ocorria quando os dromedários perdiam toda e qualquer iniciativa de pronunciar um único e tímido "SIM". Após anos e anos de intensos "NÃOs", só lhes restava um destino: transformavam-se em cordeiros e essa era a condição definitiva de todos.
Quando chegavam a essa fase, apenas sabiam repetir o que seus pais, seus professores, religiosos e outros velhos cordeiros lhes haviam ensinado. Pior que isso. Passavam a perseguir os poucos leões que restavam naquele planeta, atacando-os com os intensos "NÃOS" finalmente incorporados.
Os leões, apesar de estarem em menor número, já não se incomodavam mais com aquilo. Haviam aprendido o difícil caminho do "SIM" e era isso que importava. Dessa condição, passariam a planejar a transformação de todos os cordeiros do Planeta Terra. Tinham consciência de que seria um longo processo. Mesmo assim, preferiam acreditar que isso era, "SIM", possível de se alcançar.
Inspirado na fábula que ilustra o livro "Assim falou Zaratustra", de Friedrich Niestzsch.
Imagem: representação gráfica do signo de Leão - The ProSim Project
Engraçado que a primeira palavra que se tornou automática para mim no norueguês foi o "nei". Advinha o que significa?
ResponderExcluirQue tristeza...
Querida amiga norueguesa
ResponderExcluirObrigado pela leitura e pelo comentário. Agora tb sei falar não em norueguês. Só falta vc me ensinar o sim ;)
Gostei muito desse post e seu blog é muito interessante, vou passar por aqui sempre =) Depois dá uma passada lá no meu site, que é sobre o CresceNet, espero que goste. O endereço dele é http://www.provedorcrescenet.com . Um abraço.
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