Desde que escrevi pela última vez neste blog, muito vi e ouvi falar sobre o PCC. Hoje mesmo, São Paulo acordou com um pouco mais do agito da facção. Como de hábito, a questão voltou a ser tratada da forma mais superficial possível: bandidos de um lado; policiais, Estado e sociedade de outro. Bem e Mal separados pela costumeira miopia social. É trágico ouvir a solução esbravejada pela maioria das pessoas: "- Melhor matar esses caras mesmo!".
Em maio passado, quando o PCC fez sua festa de inauguração em São Paulo, muitos supostos "pccistas" foram mortos nas periferias dessa gigantesca cidade. Solução inefetiva, obviamente, pois o combustível do PCC vem da desigualdade social enraizada em nosso país. Exterminar a violência à bala é assumir que a miséria não tem solução, é usar gasolina para apagar o fogo.
O agora famoso Marcola, considerado o cérebro do PCC, foi menino de rua na Praça da Sé. Neste exato instante, muitos futuros "Marcolas" continuam lá, expostos a todo tipo de carência e violência. De violência ainda pior nasceu o PCC, gerado no interior da Casa de Custódia de Taubaté, presídio de segurança máxima do interior de São Paulo. Nasceu, especificamente, em um dos anexos desse presídio, conhecido como "Piranhão". O nome já diz tudo: era o local onde os condenados mais perigosos sofriam constantes torturas e maus-tratos, métodos de reabilitação tradicionais no sistema penitenciário brasileiro. Foi assim que nasceu o Primeiro Comando da Capital, um grupo criado para defender aqueles que deveriam ser reabilitados através de políticas públicas decentes. Foi nesse cenário de degradação que Misael Aparecido da Silva, um dos fundadores do PCC, escreveu a carta de fundação do partido, em 1995. Deixo-a transcrita abaixo, como forma de registrar o alerta não ouvido há 11 anos. A carta está na edição extra da revista Caros Amigos, nº 28, maio de 2006. Boa leitura.
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"Não somos uma organização criminosa, muito menos uma facção, não somos uma utopia e sim uma transformação e uma nova filosofia: Paz, Justiça e Liberdade. Fazemos parte de um comportamento carcerário diferente, em que um irmão jamais deixará outro irmão sob o peso da mão de um opressor; somos um sonho de luta, somos uma esperança permanente de um sistema mais justo, mais igual, em que o oprimido tenha pelo menos uma vida mais digna e humana.
Nascemos num momento de opressão, em um campo de concentração, e sobrevivemos através de uma união. A semente foi plantada no asfalto, no cimento; foi regada a sangue, a sofrimento. Ela gerou vida, floresceu, e hoje se tornou o braço forte que luta a favor de todos os oprimidos, que são massacrados por um sistema covarde, capitalista, corrupto – um sistema que só visa massacrar o mais fraco. O sistema insiste em nos desmoralizar com calúnias e difamações; nos rotulam como monstros, como anti-sociais, mas tudo isso é parte de uma engrenagem que só visa esconder uma realidade, uma verdade, ou seja, o sistema precisa de um bode expiatório.
Muitos irmãos já morreram nessa luta desigual, muitos se sacrificaram de corpo e alma por um ideal. O que o sistema negava, o que ele repudiava, hoje ele é obrigado a admitir que existe. O próprio sistema criou o Partido. O Partido é parte de um sonho de luta; hoje somos fortes onde o inimigo é fraco. A nossa revolução está apenas começando; hoje estamos preparados, psicologicamente, espiritualmente e materialmente para dar a nossa própria vida em prol da causa. A revolução começou no sistema penitenciário e o objetivo é maior, revolucionar o sistema governamental, acabar com este regime capitalista, em que o rico cresce e sobrevive massacrando a classe mais carente.
Enquanto crianças morrerem de fome, dormirem na rua, não tiverem oportunidade de uma alfabetização, de uma vida digna, a violência só se tornará maior. As crianças de hoje, que vendem doces no farol, que se humilham por uma esmola, no amanhã bem próximo, através do crime, irão, com todo ódio, toda rebeldia, transformar seus sonhos em realidade, pois o oprimido de hoje será o opressor de amanhã.
O que não se ganha com palavras se ganhará através da violência e de uma arma em punho. Nossa meta é atingir os poderosos, os donos do mundo e a justiça desigual; não somos criminosos por opção e sim somos subversivos e idealistas. Se iremos ganhar essa luta não sabemos, creio que não, mas iremos dar muito trabalho, pois estamos preparados para morrer e renascer na nossa própria esperança de que nosso grito de guerra irá se espalhar por todo o país. Pois se derramarem nosso sangue, com certeza aparecerão outros que irão empunhar armas em prol de uma única filosofia: Paz, Justiça e Liberdade. Se tivermos que amar, amaremos; se tivermos que matar, mataremos".
Mais uma vez, um argumento bem construído para justificar ações violentas. Acho que já vimos isso várias vezes na história da humanidade, especialmente nos regimes totalitários. Esse discurso com ares de "justiça para todos" consegue um séquito na maior facilidade.
ResponderExcluirE é por isso que a gente precisa analisar essa coisa com muita frieza - e rapidez, é claro - porque senão começamos a legitimar esse "olho por olho", essa ação puramente repressiva e esquecemos da raiz da movimento. Aliás, desde quando a repressão pura e simples resolveu alguma coisa? Realmente não tenho notícia.
Valeu pela visita, Carmen. Longe de mim querer legitimar o "olho por olho". Escrevi para tentar achar o fio da meada disso tudo. Mas não consegui e talvez nem seja possível. Paciência.
ResponderExcluirCom certeza, por tudo o que já foi escrito aqui, você não defenderia "olho por olho", mas observe bem as declarações das "autoridades competentes" na mídia. Eu,infelizmente, percebo essa filosofia embasando as falas e as ações...
ResponderExcluirVamos torcer para uma mudança de mentalidade.