terça-feira, 16 de maio de 2006

Sobre o PCC e as futuras rebeliões

" – Pessoal, estamos dispensados. 'Simbora' que a coisa tá feia".
Frase de um professor, colega de trabalho, pouco antes das 16 horas dessa segunda-feira. Passou pela sala, deu o aviso e sumiu. Até aquele instante, ninguém havia dito que seríamos dispensados. Duvidando, fui até a saída da faculdade para comprovar o fato. Encontrei a portaria quase fechada, a secretaria já trancada e alguns seguranças aguardando os últimos saírem. Convencido da retirada, voltei, ajeitei minhas coisas, peguei minha mochila e tomei o rumo dos demais. Não sem antes ouvir a recomendação do segurança: " – Tome cuidado... metralharam a estação Ana Rosa". Excelente notícia, justamente para onde me dirigia. Para minha sorte, apenas boato, como descobriria mais tarde.

Uma amiga convidou-me para ir a sua casa. Achei que não era necessário. Sugeriu-me que fizesse outro caminho. Disse-lhe que não precisava e segui meu trajeto tradicional. Tentei ligar para alguns colegas, mas o celular não funcionava. Na cidade dos congestionamentos, até os celulares estavam com trânsito em excesso. Quatro e pouco estava em casa. Eu e mais cinco milhões de pessoas. Os outros cinco ainda estavam a caminho, travados no trânsito após deixarem suas ocupações para trás. Comércio fechado, ruas quase vazias, pessoas em passo acelerado. Um êxodo digno de entrar para a história, como parece que entrou.

Cá estou, cidadão recluso, sem direito de ir, só de ficar. Não achei exagero quando um repórter da tv referiu-se ao "clima de 11 de setembro" provocado pelas ações do PCC em São Paulo. Milhões trancando-se em casa, muita sirene, muitos helicópteros, policiais desconfiados de qualquer cidadão que se aproximava. Mas, por mais inusitada que parecesse a situação, não a estranhei muito. Faz tempo que ecoa o tic-tac dessa bomba relógio pelas ruas de Sampa e do Brasil. Registrei isso em alguns textos desse blog. Já mencionei que somos potência olímpica na corrida de desigualdade, recordistas mundiais de concentração de renda, especialistas em desrespeito aos direitos humanos, nação contaminada há séculos pelo parco espírito público de seus governantes. Bases explosivas sobre as quais edificamos nosso país, berço esplêndido daqueles que nos atacam, pátria amada onde se formam, cotidianamente, os integrantes do PCC.

A receita se completa quando são adicionadas doses extras de corrupção policial, de lotação carcerária, de descaso de nossas instituições e autoridades. Tantos ingredientes misturados só poderiam produzir essa reação química. Para ser sincero, achei que a reação viria das ruas, não dos presídios. Era a população excluída que mais parecia propensa à revolta. Afinal, é ela a mais atingida por todos os descasos desse país, inclusive dos PCCs da vida. Talvez ainda aconteça. Talvez a verdadeira bomba relógio ainda esteja para explodir. Nossa desigualdade social é a contagem regressiva de futuras rebeliões. Só espero não estar por aqui. Para mim, bastou o dia de hoje.

4 comentários:

  1. Não consigo nem imaginar a sensação dos moradores de São Paulo... tem coisas que só sabe quem viveu.

    Mas acabei de postar agora sobre o pouco valor que damos à vida. Desvalorizar a vida não é só coisa de PCC, infelizmente.

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