
Considero uma ideologia de conto de fadas a crença em Deus da forma como ela está estabelecida: um ser divino, altruísta e benevolente, criador de toda a vida e que olha por nós a todo instante, pronto para resolver nossos problemas cotidianos. Fosse assim como o pintamos, não teria deixado o próprio filho padecer nas mãos dos neuróticos que Ele mesmo, segundo consta, teria criado à sua imagem e semelhança. Também não permitiria que outros tantos filhos tivessem atravessado a história da humanidade em meio ao sofrimento da miséria, da tortura, da incompreensão, da violência gratuita e da intolerância. É mais razoável assumir que Deus, caso de fato exista, seja o próprio paradoxo e contradição em pessoa, o que afasta a idéia sentimental que temos Dele, mas nos aproxima de sua verdadeira essência.
Se depender da ciência, as céticas palavras acima encontram algum fundamento na biologia do século XXI, especificamente no campo da genética comportamental. Dean Hamer, geneticista americano, autor do livro "O gene de Deus" (Editora Mercuryo, 2005), gerou forte polêmica ao considerar que o Todo Poderoso pode ser apenas uma seqüência de nosso código genético. Na verdade, o velho Dean afirma que o gene determinaria a predisposição à fé nos humanos, não sendo exatamente o próprio Deus. Mas, como um bom título também estimula as vendas, a polêmica foi instaurada. O gene isolado por Hamer e sua equipe, no Instituto Nacional do Câncer, nos Estados Unidos, é identificado pela sigla vmat2. Estaria envolvido no transporte de uma classe de mensageiros químicos do cérebro, conhecidos como monoaminas, do qual o mais famoso é a serotonina, a molécula do bem-estar. Só para constar, o ecstasy e o Prozac influenciam positivamente o humor alterando os níveis de serotonina em nosso sistema nervoso. Hamer chegou à descoberta por acaso, analisando os hábitos de pacientes tabagistas, dentre os quais a disposição à espiritualidade. Todos aqueles que se disseram mais crentes em Deus, considerando-se mais místicos ou espiritualizados, apresentavam o tal vmat2.
Não é de agora que Dean Hamer causa polêmica. Em 1993, afirmou ter descoberto um trecho de DNA supostamente responsável pela homossexualidade masculina. A descoberta lançou-o à fama e depois à lama, quando outros cientistas falharam em replicá-la. Mas, olhando por aí, parece que esse cientista tem alguma razão dessa vez. Afirmo isso porque tenho a plena convicção de que, se realmente acreditássemos em Deus e em toda sua onipresente força, certamente não teríamos agido e não continuaríamos a agir de forma tão predatória em relação à vida.
Muitos daqueles que disseram crer em Deus promoveram e promovem a discórdia, patrocinaram e patrocinam a miséria, disseminaram e disseminam a violência, defenderam e defendem a ignorância, levaram e levam suas vidas com uma pobreza singular de espírito. Muitos são racistas, machistas, neo nazistas, terroristas e todo o tipo de falsos moralistas, só para não perder a rima. Também somos nós no dia-a-dia, no momento em que admitimos a desigualdade social de nosso país, a falta de ética de nossos governantes, a fome em nossos cidadãos, a submissão em nossos trabalhos, o autoritarismo de nossos professores, a intolerância de nossos pais, a hipocrisia de nossos semelhantes. Indicadores de nossa descrença em Deus, misturados à falta de cidadania, à falta de ética, à falta explícita de um norte espiritual que realmente fosse levado a sério. Só nos resta rezar. Não para Deus, mas para que a ciência consiga reparar o vmat2. Certamente há uma falha grave nessa seqüência genética.