sábado, 7 de setembro de 2024

Até breve

Mãe... no momento em que digito estas linhas, você não está mais entre nós... sua alma partiu neste triste 2024, após 89 anos de uma linda existência, e após 5 anos lutando para continuar na vida que você tanto amava. Você partiu na tarde de um domingo de outono, no fim de abril. É a única tarde de minha vida que jamais vou esquecer.

Mãe, você foi a alma generosa que trouxe ao mundo minha irmã, eu e meus dois irmãos. Eliane, Adriano, Rodrigo e Alexandre... pela ordem de chegada.

Mãe... seus quatro filhos estavam ao seu lado quando você partiu, quero que saiba disso. Na verdade, você escolheu assim... nós quatro sabemos que foi uma escolha sua. Você aguardou os quatro estarem juntos para se despedir... e só assim seguiu o caminho de luz que a trouxe a este mundo e que a levou de volta.

Mãe... eu venho aqui justamente para isso: agradecer por você ter sido tão forte na sua espera... por ter aguardado a re-união de nós quatro para sua despedida. Nós sabemos que você usou toda a sua força, toda a sua fé e toda a sua grandeza para permanecer neste mundo até nosso encontro final. E foi nesse encontro final que pudemos lhe agradecer pelo privilégio de existirmos sob sua maternidade.

Mãe... nós quatro acompanhamos seu enorme esforço e sua imensa luta nas duas semanas em que permaneceu na UTI. Eu estive ali todos os dias, falei com você, mesmo sem saber se estava consciente... sem saber se você iria se recuperar. Porém, somente após sua partida entendi que... naqueles dias hospitalizada... seu esforço foi para aguardar a presença de cada um de nós ao seu lado... e assim dizer adeus. 

Mãe, talvez você não tenha percebido... mas com sua determinação para viver e nos encontrar antes de sua partida, você conseguiu nos mostrar o mecanismo da vida. Você nos mostrou que há um motivo por trás de cada segundo de nossas existências... onde parece haver hora para tudo e para todos... como se fôssemos movidos por um relógio que marca nossos destinos, inclusive o momento de deixarmos este plano.

Mãe... você nos mostrou essa lógica existencial, onde chega um momento em que tudo faz sentido. Você lutou para se manter viva até que nós quatro pudéssemos estar juntos em sua despedida... foi esse o último sentido que nos envolveu antes de você partir. O universo planejou tão bem esse momento, que permitiu a você se despedir de nós quatro na mesma ordem em que viemos ao mundo: prmeiro você deu adeus à Eli, que estava ao seu lado no hospital... eu cheguei na sequência, depois o Digo e ao Alê. Coincidência ou não, foi a ordem em que chegamos ao hospital naquele domingo.

Mãe, sua partida também nos deu outra certeza: após tudo que vivemos juntos nesta vida... as coisas boas e ruins... os altos e baixos... as idas e vindas... somente um único sentimento nos uniu na hora de sua partida: o amor que você cultivou desde que nos olhou pela primeira vez. Foi esse amor que tivemos o privilégio de receber e tentamos retribuir até onde nos foi possível. É esse amor que continuará presente e viverá para sempre em cada um de nós. Até breve, Mãe. Te amamos. Te amo!

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Diva Zanon Pires de Campos - Mãe

25/10/1934 (São Carlos/SP) - 28/04/2024 (Botucatu/SP)

Saudades eternas: João Alberto, Eliane, Adriano, Rodrigo e Alexandre.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Vida Súbita (2) - Round 1

- Sr. Adriano?
- Sim, eu mesmo.
- Preparado?
- Preparado pra quê?
- Pra lutar por sua vida.
- Como assim?
- A próxima luta é sua.
- Desculpe... não estou entendendo...
- Lutem!
- Oi???
PAFFFFF! 




Pronto. O primeiro round termina aqui. Você acaba de beijar a lona. Você não... eu. Mas se fosse você... ou qualquer outra pessoa... estaria no chão do mesmo jeito. E o pior: sem sequer perceber o que havia acontecido. Quem me acertou... quem nos acerta... e sem qualquer aviso prévio... é algo traiçoeiro o suficiente para nocautear o mais forte dos seres humanos: a morte.

Receber a notícia de que há algo muito errado com seu corpo é um imenso soco no estômago. É algo que nos faz perder a respiração, que nos deixa sem sentidos. Não há como ser diferente, não existe uma forma suave de lidar com uma má notícia. E eu recebi essa má notícia da equipe médica: "Chegamos a um diagnóstico... você tem uma doença... e é grave".

Ela - a tal doença grave - nos obriga a iniciar uma luta arbitrariamente indesejada. Pior: ela inicia o primeiro round já sabendo o que vai fazer e onde vai te acertar. Você - o ser humano que se acha imune a tudo - jamais foi preparado para lutar por sua própria vida. Ninguém cogita que uma ameaça passará tão próxima, ninguém se prepara, ninguém recebe treinamento, ninguém jamais pensa no pior.

Receber o diagnóstico de uma doença grave é ser obrigado a pensar no pior. É ter que encarar o medo de frente, é entrar numa briga sem querer... e já tomando um soco na cara. Quando se recobra a consciência, já estamos acuados no canto do ringue. E desse canto, ainda meio atordoados, vemos que a vida mudou. E mudou para pior. E o pior continua ali... esperando-nos voltar para os rounds seguintes. E serão vários rounds... vários... e não sabemos quantos.

Como se não bastasse saber que tenho uma doença grave e incurável, o nome do que tenho é péssimo: displasia arritmogênica de ventrículo direito.

Podiam dar nomes mais amenos às doenças, tipo "chá de boldo"... "você tem chá de boldo". Seria mais fácil lidar com nomes leves. Mas além de não ter nome de chá, minha doença traz aspectos mais assustadores: é incurável e progressiva. Três golpes numa doença só. Podia ser grave, mas haver alguma cura. Podia não haver cura... mas permanecer estável. Mas, além de ser grave e não haver cura, isso vai destruir meu coração aos poucos.

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Estou deitado numa cama do Hospital Dante Pazzanese, em São Paulo. Leito 12. É terça-feira, 7 de abril de 2015. Guardei a data sem querer, preferia não lembrar. É meu momento de entrar no ringue e começar a lutar. Porém, ninguém me preparou... eu não conheço as regras do combate... estou ali contra minha vontade... e não dá pra simplesmente ignorar ou fugir.

Naquela tarde de outono minha vida mudou. Difícil descrever a sensação... é como se tivessem tirado meu horizonte e colocado um muro em minha frente. Depois do muro, eu já não sabia mais o que me esperava. Alguns segundos antes... só alguns segundos...  meu futuro ainda estava ali, junto com meus planos de vida... com tudo aquilo que desejava fazer. E... de um segundo pra outro... eu não sabia mais o que esperar do resto de minha vida. Isso assusta. Assusta muito!

Mas calma! É preciso respirar, é preciso entender e assimilar o golpe. O primeiro round é inesperado mesmo... foi comigo e será com qualquer pessoa que enfrente um risco de vida. Toma-se a porrada, desaba-se e pronto. Porém, não é o primeiro round que define nossas vidas... não é nesse que a doença ganha e você perde. Pelo contrário... é o round onde se descobre que a luta pode ser equilibrada. A doença surgiu, o diagnóstico foi inesperado, mas é justamente essa descoberta que nos dará a chance de lutar contra algo que eu e você desconhecíamos até agora.

Eu entrei no ringue sem querer, passei pelo primeiro round e já voltei para lutar outros. Já fui nocauteado, já perdi o fôlego... mas me recobrei. Agora entendo que terei de batalhar por minha saúde, minha vida e tudo de bom e ruim que vier com ela.

A primeira boa notícia nessa turbulência toda é: quando recebemos um diagnóstico de uma doença, seja ela mais ou menos grave, somos colocados em pé de igualdade com aquilo que nos ameaça. É como ser apresentado ao inimigo: "Adriano, Displasia. Displasia, Adriano".

Tá... eu sei... melhor seria jamais ter recebido uma notícia dessas. Mas a vida também é estatística... pessoas ficam doentes, pessoas têm síndromes raras, pessoas enfrentam doenças incuráveis. E por mais que eu me sinta especial ou merecedor de uma vida brilhante... faço parte das estatísticas desse mundo. E se as estatísticas me obrigam a lutar, pelo menos que eu saiba o que estou enfrentando.

A segunda boa notícia é: não importa a doença ou síndrome que você tenha, a medicina do século 21 possui condições de combatê-la de alguma forma. Isso significa que nem mesmo o pior dos diagnósticos será enfrentado sem reação de nossa parte. A chance de simplesmente poder lutar já é algo fantástico quando enfrentamos uma ameaça à vida.

E a terceira boa notícia - talvez a mais importante - é esta: o combate não será apenas da medicina e dos medicamentos contra a doença. O combate será, principalmente, do quanto eu ou você temos coragem para superar isso.

Coragem significa que viveremos uma batalha interna de nossas emoções positivas contra negativas. Nada... nenhum diagnóstico ruim... nenhum médico neste mundo... pode determinar o quanto sua ou nossa coragem poderá interferir na cura de uma doença. Coragem é um dos ingredientes da chamada Resiliência, que é a capacidade que temos de resistir a uma pressão muito grande... uma pressão que quase nos quebra ao meio. Mas, ao invés de quebrarmos, voltamos a ser o que éramos.

É neste ponto que nossas batalhas pessoais começam: na coragem... na resiliência... naquele momento em que começamos a reagir emocionalmente contra o que nos ameaça. Foi neste ponto que minha batalha começou. Entrei num ringue sem querer, tomei uma bela porrada... tenho uma doença cardíaca grave, incurável e progressiva.

Admito que isso me abalou profundamente. Mas também tenho resiliência... comecei a reagir quase imediatamente. E reajo porque quero viver, porque ainda tenho planos a realizar. Eu ainda não sei... você ainda não sabe... mas é a partir de agora que a vida começa a valer a pena. 

terça-feira, 6 de setembro de 2016

O golpe de 2016

Guarde esta data: 31 de agosto de 2016. É um dos mais inescrupulosos dias da história política brasileira e, até mesmo, da história política mundial. Está consumado o golpe contra Dilma Rousseff, primeira mulher a ser eleita presidente do Brasil.

Explicar tudo que levou ao golpe é complexo, há um conjunto de fatores políticos, econômicos e sociais. Também há a criminosa mídia brasileira, cujo papel foi propagar mentiras sobre os governos progressistas
que tivemos desde 2002, quando o PT chegou à presidência pela 1a vez.

As manipulações sociais que levaram à deposição de Dilma estão devidamente registradas em sites e veículos de comunicação progressistas, além de blogs de jornalistas e escritores independentes. Já há livros publicados sobre a farsa que derrubou o governo brasileiro, uma pesquisa no Google lhe mostrará a verdade sobre o golpe.

Que as gerações do futuro lembre-se disto: há uma verdade e uma mentira sobre o golpe.

A mentira afirma que não houve golpe político, discurso que vem dos setores reacionários da sociedade brasileira. A mentira vem de políticos de extrema-direita, ajudados por veículos de comunicação ultra-conservadores, como as revistas Veja, Istoé e Época, além dos jornais Folha, Estadão, O Globo, dentre outros. Aliás, a Rede Globo liderou o golpe do começo ao fim. O ápice da farsa foi a transmissão da votação do impeachment na Câmara dos Deputados, um show de hipocrisia que parou o país num domingo, como a deposição de Dilma fosse uma final de campeonato. A mentira sempre dirá que não foi golpe.

A verdade é que houve golpe, um golpe escancarado. A verdade mostra como uma mídia hipócrita e fascista construiu um discurso de ódio ao PT e aos seus presidentes, Lula e Dilma. Discurso de ódio significa criar mentiras e factóides para fazer um governo parecer extremamente corrupto, quando não é. Claro que o PT enfrentou problemas de corrupção, afinal esta é uma prática endêmica no país. Contudo, foi o partido que mais fortaleceu o combate à corrupção nessa curta história democrática, que vivemos desde 1985.

Que as gerações futuras lembrem-se disto: a mídia tradicional é manipuladora e fascista.

Chamar a mídia de fascista é elogio numa altura dessas. Os barões da mídia foram muito além do fascismo para conseguir o impeachment de Dilma Rousseff. Foram além porque, ao contrário do fascismo original, que se mostrava claramente violento, a mídia fascista brasileira (e seus barões) mostram-se como pessoas cordiais. É um fascismo dissimulado.

A queda de Dilma representa a queda da democracia no Brasil e um duro golpe na frágil democracia da América Latina. Já sabemos que os Estados Unidos tiveram participação no golpe atual, assim como ocorreu com o golpe de 1964. Porém, o golpe se sofisticou, dessa vez não foram usados militares, como se usava no século 20. Dessa vez o golpe usou até mesmo a justiça brasileira, corrompendo o Supremo Tribunal Federal, corrompendo deputados e senadores, corrompendo quem estivesse disposto a se corromper. E muita gente estava.

Afastei-me de meu blog nos últimos meses justamente porque participei da guerra virtual contra o golpe que derrubou Dilma. Fui um ativista no Facebook, publiquei dezenas e dezenas de posts defendendo nossa democracia. Isso me custou muitas amizades, descobri que tenho parentes e amigos extremamente reacionários... gente que, além de apoiar o golpe, carrega preconceitos contra negros, índios, pobres, gays e até estudantes. Essa gente toda eu excluí de minhas redes sociais e de minha vida. Ou eles me excluíram, o que acabou sendo um favor.

Espero poder voltar em breve a este blog para comemorar uma reviravolta nesse sombrio cenário. Infelizmente, as análises de especialistas dizem que o golpe veio para ficar, que a esquerda não terá outra chance tão cedo. Se eles estiverem certos, eu não devo ver o país democrático novamente. Espero que vocês, que estão aí no futuro, tenham esse privilégio que tivemos de 1985 a 2016. Foi ótimo viver na democracia, ainda que imperfeita, que tivemos de 1985 a 2016. Democracia construída principalmente por Lula e Dilma, que olharam pela primeira vez pelos menos favorecidos. Guardem isto tudo, é pura verdade.

domingo, 8 de maio de 2016

Golpe no meio do caminho

Comecei 2016 me propondo a escrever sobre essa nossa estranha "Vida Súbita", título que dei ao conjunto de textos que já comecei a publicar. Os textos 1 e 2 estão exatamente abaixo deste. A ideia é compartilhar desafios de vida enfrentados por pessoas que, por diferentes motivos, chegaram aos limites de suas forças para superar graves doenças que ainda não têm cura em nossa época.

No entanto, deixei de escrever no último mês para me dedicar a uma guerra virtual contra o golpe político que está quase se impondo sobre o Brasil. O governo democrático de Dilma Rousseff vem sendo seriamente ameaçado por uma sequência de sabotagens vindas dos políticos, das mídias e dos empresários mais sórdidos da nação. 

Indivíduos sem escrúpulos, além de instituições públicas e privadas, todos extremamente conservadores, buscam derrubar Dilma de modo ilegítimo. Tentam fazer isso articulando o impeachment da presidente de forma criminosa, acusando-a por um crime que não existe... ajustes orçamentários ilegais, popularmente conhecidos como "pedaladas fiscais". A ideia é sórdida em todos os sentidos, pois além da busca do poder presidencial pela força da mentira, políticos, empresários e mídia tradicionais ameaçam impor ao país uma agenda de retrocessos em diversos campos (ver em http://bit.ly/1rGF8j9).

Neste momento, estão ameaçadas desde conquistas trabalhistas até direitos humanos, já que os golpistas são formados por setores conservadores e religiosos que se opõem tanto ao avanço das classes mais pobres, quanto à aprovação de leis a favor das mulheres, aborto, homossexuais, indígenas, meio ambiente, reforma agrária, reforma política, dentre outros (ver reportagem da revista Brasil de Fato: http://bit.ly/23zvMls)

Além da dimensão interna, o golpe possui interesses que extrapolam as fronteiras brasileiras. Há uma geopolítica envolvendo a tentativa de derrubar Dilma, ou seja, um conjunto de interesses de vários países e diferentes sistemas de governo (a melhor matéria a respeito é da revista Carta Capital: http://bit.ly/24F5QHv)

Desde 2002, quando o PT assumiu a presidência do país, passamos a nos aproximar de ações para fortalecer países em desenvolvimento que ainda buscam ocupar um lugar estratégico no mundo. O grupo do BRIC - Brasil, Rússia, China e Índia - é o melhor exemplo desse xadrez mundial de poder. Enquanto esse grupo avança, o grupo de países desenvolvidos vê com incômodo essa união. Questões como neoliberalismo e interesses nos recursos naturais também estão em jogo nessa tentativa de golpe no Brasil (ver reportagem em http://bit.ly/26mRRIe).

Há dois personagens principais tentando derrubar Dilma, ambos asquerosos e ambos representando o que há de pior na classe política e empresarial brasileira. Um é o agora ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, talvez o político mais escabroso que tenhamos visto no país... e olha que o Brasil está cheio deles (ver http://bit.ly/1q7tGfl). O outro é o vice-presidente da república, Michel Temer, um sujeito que foi erroneamente escolhido pelo PT para articular interesses partidários em prol do governo.

Eduardo Cunha e Michel Temer representam tudo que há de mais ultrapassado no cenário político: ambos são do PMDB, um partido que guinou à direita mais ultra-conservadora, após ter lideranças que ajudaram o país a sair da ditadura. Ambos são religiosos - ou falso religiosos - já que falam em fé para justificar atos ilícitos e impor uma agenda de retrocessos em nossas leis. Ambos representam grupos empresariais como a FIESP, um aglomerado de homens de negócios cuja visão de mundo está parada no autoritarismo de séculos passados (ver http://bit.ly/1QVH4Jq)

Como se tudo isso não bastasse, o episódio mais vergonhoso do atual golpe foi protagonizado pelo infame Eduardo Cunha. Mesmo sendo acusado, formalmente, por diversos crimes, tanto no Brasil quanto no exterior, esse imenso canalha conseguiu apoio das principais instâncias jurídicas do país para conduzir a votação do impeachment de Dilma no Congresso. A absurda e vergonhosa votação não foi para julgar qualquer crime de Dilma, mas para deputados exporem o Brasil à vergonha absoluta. Protagonizaram um show de horror numa sessão de impeachment que poderia ser despejada no esgoto da história nacional (ver http://bit.ly/1rBq3j3).

O próprio STF - Supremo Tribunal Federal - omitiu-se quanto ao afastamento necessário e gritante de Eduardo Cunha, permanecendo impassível e sem julgá-lo por tantos crimes graves. Foi esse tempo de letargia do STF que o infame Cunha usou para organizar a farsa do impeachment dentro de nosso bizarro congresso (ver em http://bit.ly/1SWGpND).

Hoje é 08 de maio, um nublado sábado de 2016. No próximo dia 11 (quarta-feira), o Senado julgará o falso processo de impeachment contra Dilma Rousseff. O relator do processo é um senador golpista do PSDB, o ex-governador de Minas Gerais, Antônio Anastasia. É o mesmo sujeito que praticou quase mil "pedaladas fiscais" em seu governo, mesmo "crime" do qual Dilma é acusada (ver matéria em http://bit.ly/1X7q4rc). Aliás, o motivo alegado para um impeachment é tão irrelevante que outros 16 governadores praticaram os mesmos ajustes que Dilma (ver em http://bit.ly/1RhNWob).

É difícil resumir, num só texto, todos os absurdos sobre o golpe em andamento no Brasil. Há centenas de fontes, inclusive a própria mídia internacional reconhece a farsa política que paira sobre nosso país (acesse http://bit.ly/1T67Vu4). Na contramão, a mídia nacional conservadora colocou-se ao lado dos golpistas e dá versões manipuladoras sobre o processo. Rede Globo, jornais Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, revistas Veja, Istoé e Época são as faces mais grotescas dessa armação. 

Felizmente, o jornalista, escritor e advogado americano, Gleen Greenwald - vencedor do prêmio Pulitzer 2014, vem denunciando o golpe ao mundo (acesse http://bit.ly/1SYLFwN). É uma voz importante contra toda a mentira montada para derrubar um governo eleito democraticamente. É uma voz que se soma à milhões de outras que estão engajadas em proteger o governo Dilma via redes sociais.

Eu sou apenas mais uma dessas vozes, mas me junto à todas e todos que vêm denunciando o golpe via internet. Espero que consigamos barrar esse absurdo. Se não conseguirmos, pelo menos fica o registro para que aberrações do tipo não se repitam no futuro da democracia brasileira.

domingo, 3 de abril de 2016

Kris

Kris Carr é uma atriz e escritora americana. Tem 44 anos, é bonita, inteligente, sexy. Faz documentários interessantes, é uma ativista engajada, incentiva e divulga hábitos saudáveis de vida. Casou-se com seu grande amor, vive feliz, pratica yoga e é vegetariana.

Kris Carr é conhecida em boa parte do mundo, possui um famoso site e já lançou 2 livros que atingiram o primeiro lugar na lista do The New York Times. Tem um programa na TV americana, é assediada pelo público, vive com sua agenda sempre lotada. Ah... já ia me esquecendo de dizer ... Kris luta contra um câncer grave e incurável.

Eu sei... senti o mesmo... o perfil inicial de Kris não combina com essa situação inesperada que surge ao final. A sensação é de que há algo errado nessa história. Parece que seu sucesso, sua beleza e sua inteligência deveriam trazer algo melhor ainda... não um drama de vida.

Há um fenômeno interessante ocorrendo neste século 21. Pessoas anônimas e famosas, bem como seus familiares e amigos, passaram a lidar com doenças e deficiências de uma forma mais positiva. Situações que antes faziam doentes e familiares guardar silêncio, atualmente são divulgadas e mostradas à sociedade sem cortes. O estigma negativo do passado vem dando lugar à exposição de dificuldades e dramas pessoais que podem ajudar a conscientizar sociedades.

Foi no Dia dos Namorados, no ano de 2003, que Kris Carr recebeu o diagnóstico de que possuía um câncer raro e incurável. Com apenas 31 anos e uma carreira artística promissora pela frente, foi obrigada a refazer planos e a repensar os rumos de sua vida.

A atriz, então, saiu em peregrinação pelos Estados Unidos, buscando métodos tradicionais e alternativos de cura. Achou conforto tanto na medicina e em hospitais quanto em práticas espirituais e corporais. Mudou sua dieta, passou a ser vegana, começou a praticar yoga. Decidiu, por fim, transformar sua luta num documentário chamado "Crazy Sexy Cancer", algo próximo a "Esse Câncer Sexy e Louco". No Brasil, seu livro saiu com o título "Câncer - e agora?" (Editora Globo).

Kris Carr tornou-se fonte de inspiração para milhões de pessoas que enfrentam o câncer. Além de mostrar, publicamente, como sua vida foi afetada pela doença, seu caso virou referência mundial de coragem... justamente por ser uma paciente que consegue sobreviver com a doença e, ainda assim, fazer de sua vida algo melhor.

Se não tivesse divulgado seu drama pessoal e não tivesse feito disso um meio para ajudar outras pessoas, Kris teria contribuído para manter o câncer cercado por tabus. Como decidiu o contrário, motiva pessoas a seguirem seus passos e ajuda a ciência a compreender melhor as características de seu caso. Aliás, motiva pessoas em geral, não só aquelas que enfrentam o câncer.

Bem... este post é para justificar porque estou escrevendo o "Vida Súbita". Fui diagnosticado com uma doença cardíaca, como já escrevi na postagem anterior. Sou um anônimo, não tenho fama. Mesmo assim, acredito no potencial da internet para registrar e compartilhar experiências e, quem sabe, ajudar outras pessoas a enfrentar algo que enfrento atualmente.

A propósito, Kris está viva após 13 anos convivendo com o câncer que ela chama de sexy e louco. Pensando bem, acho que toda doença é sexy e louca... todas destróem e reconstróem nossas vidas. Sexy e louco... Kris Carr escolheu bem as palavras.
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Texto criado a partir da postagem "Resiliência", publicada neste blog em 09/11/2008:
http://www.outravia.blogspot.com/2008/11/resiliencia.html

terça-feira, 29 de março de 2016

Vida Súbita (1) - Ontem

Ontem eu criei este blog. Isso foi em 2005. Foi ontem.
Ontem publiquei o último texto por aqui. Blog parado desde 2012. Parado desde ontem.
Ontem fui nadador. Treinei quase todos os dias da década de 80. Treinei ontem.
Ontem continuei treinando. Também treinei toda a década de 90. Década de ontem.
Ontem treinei mais ainda. Nadei de 2000 até 2006. Nadei um pouco mais ontem.

Ontem minha irmã, eu e meus irmãos nascemos. 1968 a 1973. Nascemos ontem.
Ontem foi meu primeiro dia na escola. 1975. Foi ontem.
Ontem integrei uma fantástica equipe de natação. De novo os anos 80.
Ontem eu me apaixonei, beijei, namorei. Ontem foi muito bom.
Ontem me apaixonei de novo, beijei de novo, namorei de novo. Ontem foi bom novamente.

Ontem ingressei na universidade, me formei, me pós-graduei. Ontem estudei muito.
Ontem fui trabalhar, pedi demissão, fui demitido, conheci chefes babacas. Tudo Ontem.
Ontem mudei de país, fui aprender coisas novas. Inglaterra, 2012. Ontem.
Ontem mudei-me para Espanha, vivi 1 ano em Barcelona. 2015. Ontem.
Ontem errei, acertei, me frustrei, fui medroso, corajoso, tive fé, fui ateu.
Ontem passou rápido.

Hoje é 29 de março de 2015. Domingo. Pouco após as 23 horas.
Hoje meu coração bate de forma estranha. Há algo bem errado comigo.
Hoje estou num pronto-socorro. Hospital Dante Pazzanese, São Paulo.
Hoje estou preocupado, tenso, não sei o que está acontecendo.
Hoje fui internado às pressas, minha vida está por um fio.

Hoje os médicos me monitoram a cada segundo. Dizem que tenho uma arritmia incomum.
Hoje meu coração bate errado demais. Taquicardia ventricular. Risco de vida.
Hoje me injetam um forte medicamento. Chama-se Adenosina. É o choque químico.
Hoje a primeira dose de Adenosina não reverte a arritmia. Injentam a segunda.
Hoje a tensão aumentou na emergência. Entendo que tudo pode acabar aqui.

Hoje começo a perder a consciência. Minhas mãos esfriam.
Hoje trazem o desfibrilador para meu lado. Minha visão escurece.
Hoje médicos e enfermeiras aproximam-se de mim. "Traz o choque!", diz o médico-chefe.
Hoje tenho receio de que não haja amanhã.

Agora tudo se apaga.
Agora sei como é partir.
Agora vejo-me ligado a vários aparelhos.
No jargão médico, acabo de ter uma morte súbita abortada.

Morte. Súbita. Abortada.

É por causa dessas 3 palavras que estou escrevendo.
Estranho saber que evitaram minha morte.
Isso certamente muda o conceito de vida dentro de alguém.
Meu conceito também mudou. E continua mudando.
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Acredite: não é a morte que é súbita. É a vida. Nota-se isso no momento em que a morte deixa de ser teoria e quase vira prática. Hoje eu vivi isso. Hoje não, isso tudo ocorreu em março de 2015. Foi ontem.

Descobri que a possibilidade de morrer resume o tempo a 3 dimensões: ontem, hoje e agora. Não há o daqui a pouco, nem o segundo seguinte, muito menos o amanhã. Vem daí aquela crença de que vemos um filme na hora da morte. Não é um filme. É apenas a forma como o cérebro organiza nossas informações: tudo que já vivemos condensa-se no 'ontem', um pequeno ponto na memória. O 'hoje' é um ponto menor ainda. O 'agora' é o menor de todos. A vida, portanto, é uma reticências: 3 pontos seguidos. Só. Por isso é tão fácil visualizá-la num último relance.

Dentro de minha reticências já fui atleta e já pratiquei todo tipo de atividade física. Natação foi quase uma profissão para mim. Treinei tudo que me foi permitido na infância, na adolescência e quando adulto. Cheguei a me viciar em prática esportiva. Deixava compromissos sociais e familiares para treinar. Fui um nadador mediano, disputava campeonatos brasileiros, mas nunca cheguei ao alto nível. Não é preciso, porém, chegar à elite para saber que a vida de atleta exige extrema dedicação física, emocional, intelectual e de tudo e todos que nos cercam.

Minha vida de nadador acaba de entrar na categoria 'ontem'. Hoje estou hospitalizado. Acabam de descobrir que tenho uma doença cardíaca rara, incurável e progressiva.

Rara. Incurável. Progressiva.

Ok... tudo isso parece bem ruim, eu sei. Deveria ser proibido juntar essas 3 palavras numa doença só. Mal terminei a primeira página e já há meia dúzia de palavras que me assustam. Contudo, há aspectos positivos no universo das doenças, algo difícil de aceitar num primeiro momento.

Em primeiro lugar, é preciso entender que o diagnóstico de uma doença não é algo necessariamente negativo. Tá... não é legal... eu sei... mas sem um diagnóstico, por melhor ou pior que seja, as chances de combater uma enfermidade seriam bastante reduzidas. Aceitar uma enfermidade não é fácil, mas desconhecê-la é muito pior e muito mais arriscado.

Em segundo lugar, a ideia de morte nos coloca em contato com aquilo que é prioridade em nossas vidas. Obviamente, todos nós conhecemos nossas prioridades e planos, mas vivemos como se houvesse um longo futuro para realizá-los. Se temos algo como prioridade e adiamos sua realização, então pressupomos que o futuro está garantido. Pode ser que não esteja.

"Vida Súbita" pretende ser uma série de textos sobre nossa condição de seres do "ontem, hoje e agora". Isso não significa negar a esperança que cada um tem de futuro, mas estimular pessoas a trazerem suas prioridades para o momento presente.

Não tenho o objetivo de escrever sobre auto-ajuda, sobre como realizar hoje tudo aquilo que alguém sonha em vida. Não sou candidato a guru. A ideia principal é usar minha atual condição de vida para refletir sobre tensões e superações comuns a todos nós.

Aqui também serão registradas histórias de pessoas que enfrentam ou enfrentaram seus próprios desafios de vida. A ideia é criar um espaço para compartilhar histórias de superação ou mesmo de não-superação. Será um registro sobre a forma como lidamos com algo que, um dia, a ciência promete vencer: o drama da doença e de nossa própria morte.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Filantropia?

Hoje entrei numa discussão sem querer no Facebook, ao compartilhar uma publicação que criticava o altíssimo valor de um cachê recebido pela apresentadora Xuxa Meneghel, pago por uma marca de cosméticos. A vida íntima de celebridades não me desperta qualquer interesse, até porque não ganho nada para opinar sobre isso. Mas hoje eu opinei por um motivo bem relevante.

A postagem que compartilhei questionava as promoções milionárias do mundo do marketing, um mundo onde celebridades ganham os tubos para divulgar futilidades. Pois bem, Xuxa Meneghel recebeu 2 milhões de reais para tornar-se ruiva por alguns dias. Esses 2 milhões, possivelmente, não farão diferença em sua conta bancária já milionária, mas poderiam fazer diferença se fossem destinados à filantropia, e foi aí que entrei na discussão.

Após trocar comentários com pessoas que vieram comentar meu post, descobri que o cachê pago à apresentadora foi doado à Fundação Xuxa Meneghel, organização sem fins lucrativos criada e mantida pela própria Xuxa. Significa que ela praticou filantropia com o cachê, um destino nobre que pode ser dado ao dinheiro de pessoas já endinheiradas.

Quando li a notícia da doação de Xuxa à sua própria fundação, quase deletei minha publicação, pois minha crítica sobre os cachês milionários de artista pareceu injusta. Entretanto, decidi me informar melhor antes de apagar a postagem. Passei a última hora analisando o balanço anual da Fundação Xuxa Meneguel e não foi difícil descobrir que tenho minhas razões.

Se você, cidadão de bem, ganhasse por volta de 30 milhões de reais por ano, isso só em salários (excluindo campanhas publicitárias), é muito provável que se dispusesse a fazer algum tipo de filantropia. Pois Xuxa faz alguma coisa com seu milionário ganho anual, ajudando a sustentar a Fundação Xuxa Meneghel. Mas o tamanho de sua filantropia é bastante questionável em termos financeiros.

- Segundo o balanço financeiro de 2010, Xuxa doou à sua própria fundação, através da Xuxa Produções e Promoções Artísticas Ltda, o total de 1.790.000,00 (um milhão, setecentos e noventa mil reais - pág 46 do relatório anual). Isso representaria pouco mais que 5% do salário anual dela, caso consideremos só a renda salarial da apresentadora, sem acrescentar as receitas de propagandas que ela protagoniza. Talvez a doação pudesse ser bem maior. Talvez seja, mas o site da fundação não mostra isso. Alguns dados importantes do relatório da entidade:

- A partir da doação de outras empresas, a Fundação Xuxa Meneguel recebeu, em 2010, 1.612.000,00 (um milhão, seiscentos e doze mil reais). Nesse ano, o total de investimento da Fundação foi de 3.402.000,00 reais, ou seja, uma pessoa multimilionária tem coragem de passar o pires em busca de recursos financeiros para sustentar metade das despesas anuais de sua própria causa social (pag. 46 do relatório).

- Em 2010, o relatório demonstra que foram realizados 7.333 (sete mil, trezentos e trinta e três) atendimentos, à crianças e jovens na faixa de 3 a 17 anos (p. 37). Para isso, foram gastos 2.937.540,00 (quase 3 milhões), ou seja, quantia equivalente ao salário de 1 mês e 8 dias de trabalho de Xuxa.

- Há 37 funcionários contratados na Fundação Xuxa Meneguel (p. 11). A folha de pagamento de 2010 foi de 1.218.609,00 (um milhão e tralalá, p. 52). Dividindo esse valor por 13 meses (incluindo, assim, o 13o salário), chega-se a uma folha de pagamento de 93.739,00 por mês, o que dá uma média salarial de 2.533,00 (dois mil, quinhentos e poucos reais) por funcionário ou 33 mil reais por ano por funcionário. Trocando em miúdos, o salário anual de Xuxa, que é de 30 milhões só em ganhos fixos, é mil vezes maior do que o salário anual de cada um de seus funcionários.

Resumindo toda essa estória: hipocrisia ou falta de habilidade para fazer filantropia podem ser calculadas em números. O impacto das ações da Fundação Xuxa Meneguel é irrisório perto do que ela poderia fazer com sua imensa fortuna. Não desconsidero a importância do suporte às pessoas excluídas, mas sim algumas personalidades posarem de benfeitoras quando, na verdade, brincam de fazer filantropia com a migalha daquilo que ganham.
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Relatório anual 2010 da Fundação Xuxa Meneguel: http://www.fundacaoxuxameneghel.org.br/boletins/relatorio-de-atividades-fxm-2010/

Salário dos apresentadores de TV no Brasil (achei vários links, mas esse parece ser o mais confiável): http://locutorgermano.no.comunidades.net/index.php?pagina=1587252632

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Hai!


São Paulo possui opções gastronômicas ímpares. Ontem fui jantar num restaurante chinês onde ninguém, ninguém mesmo, domina o português de forma razoável. Tudo começa com o “boa noite” do cliente, que é respondido com um “Hai” pelo garçom. Até aí, tudo bem, soa como no inglês e se assemelha a um cumprimento japonês. O bairro da Liberdade é assim mesmo, uma mistura única de hábitos orientais.

Pedi uma mesa para dois, mas o garçom nos levou até uma mesa para oito, com sistema giratório e um quadro dourado ao fundo, retratando uma pequena vila chinesa com 2 bilhões de camponeses.

- Amigo, eu pedi mesa pra dois, esta é pra oito.
- Hai!
- M-E-S-A... P-R-A... D-O-I-S... e fiz o 2 com os dedos.
- Hai!
- Ok, amigo, a gente senta aqui mesmo.
- Hai!

Mal nos sentamos e o cardápio foi arremessado sobre a mesa, parando na minha frente, de forma milimétrica. Assustado, olhei para o garçom, que acabara de surpreender outro cliente com seu arremesso ninja. O cardápio estava totalmente em chinês, com rudimentares descrições em português. Foi bem difícil decidir entre língua de pato com brócolis, pato com tofu ou macarrão frito com pato assado. Após uma difícil análise, questionei:

- Amigo, esse prato dá pra dois?
- Hai!
- "Hai" significa que dá?
- Hai!

Aquilo já estava me irritando, já não sabia se “Hai” era “boa noite”, “mesa pra oito” ou só um "pato com tofu".

- P-R-A-T-O... D-Á... D-O-I-S?
- Hai!
- Tá foda, murmurei baixo. O ninja se afastou e voltou com uma soda.
- Eu não falei soda, meu amigo.
- Hai!

Decidi não murmurar mais.

- Queremos este prato! (e apontei meu dedo para o macarrão com carne e frango, deixando o pato de lado).
- Hai!
- Ah... também queremos um...

Minha frase não se completou, Jackie Chan havia desaparecido de forma furtiva. O prato chegou poucos minutos depois, mas não havia só frango e carne. Conforme nos servíamos, foram surgindo pedaços de camarão, lula e frutos do mar. Chamei o garçom.

- C-A-M-A-R-Ã-O... L-U-L-A... não pedimos isso!
- Hai!
- Amigo, quem é o gerente?
- Hai!
- Mano... só avise ao cozinheiro que não dá certo misturar invertebrado marinho com vertebrado terrestre!
- Hai!
- Ok... a gente come... tá tudo certo... adoramos frutos do pasto com frutos do mar!
- Hai!

Certa normalidade voltou a pairar no transcorrer do jantar, até que, às 22:15 hs, a equipe da limpeza começou a lavar o piso do restaurante.

- Amigo, vocês já estão fechando?
- Hai!
- São 10 e 15 ainda... meio cedo, não acha?
- Hai!
- Vocês seguem o que, o horário de Pequim?
- Hai!
- MEU AMIGO, ESSE RESTAURANTE É UMA DITADURA!
- Hai!
- HAI É O CACETE!
- Hai!

Assisti a poucos filmes de Bruce Lee, mas descobri que não foram em vão. Enquanto socava o frango com lula na boca do garçom, consegui me desviar dos rodos que as mulheres ninjas da limpeza arremessavam contra mim. Chineses e japoneses da região vieram socorrer o conterrâneo e a Liberdade entrou em guerra. Baixou a polícia, a Yakuza, o Seu Miagui, Daniel-san, Van Damme, Steven Seagal e Ultraman. Neste momento, Chuck Norris está negociando a fiança de todos nós junto ao delegado, que também é chinês. A Liberdade jamais será a mesma. E eu jamais comerei alcatra com camarão novamente.
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Acredite, o nome do restaurante é Chi Fu: http://www.qype.com.br/place/496131-Chi-Fu-Sao-Paulo

domingo, 25 de março de 2012

Torcida predial

Morar em apartamento em São Paulo é como estar na própria arquibancada em dia de jogo. Mal começou a última partida entre palmeirenses e corinthianos, e os torcedores de diferentes andares começaram a se provocar. 

Palavrões pipocaram aqui e ali, até que, lá do 11º, uma senhora gritou: "A PAZ DO SENHOR!". Súplica inútil. Os mais exaltados rebateram na hora: "CALA A BOCA!", "FUCK YOU!". Imediatamente, a senhora perdeu a fé e o amor ao próximo: "VÃO À MERDA!"... e bateu a janela.

Os moradores do 7º e 8º, todos são paulinos e neutros até então, também foram até suas janelas e pediram tolerância a todos. Tinham a vaga esperança de que pudessem assistir ao Discovery Channel em paz. Ledo engano.

A avalanche de insultos piorou após o primeiro gol corinthiano. E voltou a piorar após o segundo, também dos alvinegros. Irritados com os gritos de "CHUPA, PORCADA!", palmeirenses deixaram o fair play de lado e subiram as escadas até o 12º, dispostos a mostrar quem eram os porcos do prédio. Os corinthianos, avisados da movimentação pelo síndico da Gaviões, desceram em contra-ataque. Os são paulinos, já putos com a falta de classe da galera, deixaram a fleuma de lado e se juntaram aos palmeirenses.

Escrevo em meio aos destroços de meu prédio. Restos humanos de alviverdes, alvinegros e tricolores espalham-se ao meu redor. O síndico, corinthiano desde a fecundação, pega o celular para pedir reforços alvinegros. O zelador, palmeirense desde a vida passada, acerta-o com um mastro verde e desaba em seu último suspiro. O apocalipse atingiu a todos, é meu fim também. Só espero que não haja torcida no Céu.

sábado, 22 de maio de 2010

Sobre a educação de filhos


Uma coisa que me chateia muito é ver uma criança sendo tratada de forma autoritária. Não estou falando de agressões físicas, mas do autoritarismo e da agressividade que vêm através do "não faça isso", do "não pode", ou só daquele irritante "não". 

Outra coisa que me incomoda é lidar com pais que definem suas atitudes autoritárias como "boa educação". Infelizmente, hoje me deparei com as duas situações ao mesmo tempo. Nessas horas, minha providência é tentar colaborar de alguma forma, pois não gosto de ver uma criança entristecida. No entanto, minha colaboração é entendida, com certa frequência, como uma interferência negativa na "boa educação" que os pais dizem estar dando. Já me acostumei a ouvir a frase: "um dia você será pai, daí entenderá o que fazemos". Normalmente, dizem isso em tom de ameaça, previamente assumindo que eu terei atitudes semelhantes.

Há uma terceira coisa que também me irrita nessa estória: ver pessoas leigas em pedagogia desafiarem alguém que estudou essas áreas. Não sou professor à toa, não estudei modelos pedagógicos à toa, não trabalho com educação de crianças e jovens à toa. Ainda me falta aprender muito sobre isso tudo, ainda me falta a experiência de pai, mas autoritarismo é algo que sempre combati e combaterei... inclusive em minhas próprias ações.

Tenho um amigo que diz uma frase sábia: "eles não sabem que não sabem". Pois é assim que tenho visto muitos pais desde que comecei a trabalhar com crianças e jovens, há 15 anos. Simplesmente, os pais ignoram que não sabem pedagogia e que não entendem a mínima de educação. A esses pais desavisados, é importante lembrar que pouco ou nada conseguirão com suas atitudes autoritárias. Normalmente, conseguem o contrário daquilo que procuram atingir. Se querem educação, ganham deseducação. Se querem respeito, ganham desrespeito. Se querem autoridade, ganham filhos que os desafiarão cada vez mais.

Logicamente, há pais que são o oposto de tudo isso. Esforçam-se para respeitar os sentimentos e opiniões de crianças e jovens, pois compreendem que seus filhos também possuem suas próprias autoridades. Pais assim não seguem regras rígidas de horários, não definem o que seus filhos devem vestir ou os locais que devem frequentar. Criam filhos flexíveis o suficiente para interagir com um mundo que será cada vez mais diferente do que já foi um dia.

Como disse, ainda não tive a experiência de ser pai e reconheço a dificuldade em lidarmos com a educação formal e informal de nossas crianças. Sei que conversar e dialogar com jovens é um desafio e tanto, mas o autoritarismo é a pior estratégia nesse processo todo. Peço, portanto, um grande favor: sejam mais compreensivos e menos autoritários com seus filhos... as futuras gerações agradecem desde já.
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Imagem: http://migre.me/Hxnv